INTRODUÇÃO
O presente artigo aborda o direito de acesso aos autos
processuais eletrônicos, tomando por base a previsão contida no art. 11, §6º da
Lei de Informatização do Processo Judicial (Lei nº 11.419 de 19 de dezembro de
2006), in verbis:
§6º - Os documentos
digitalizados juntados em processo eletrônico somente estarão disponíveis para
acesso por meio da rede externa para suas respectivas partes processuais e para
o Ministério Público, respeitado o disposto em lei para as situações de sigilo
e segredo de justiça.
O tema é relevante e atual, como se
observa das críticas formuladas por certos setores da doutrina[1], bem
como da reiterada submissão da matéria ao Conselho Nacional de Justiça[2], até o
adverte de sua Resolução 121, de 05 de outubro de 2010.
O artigo, enfim, espelha o embate
entre duas diretrizes caras ao Estado de Direito: a transparência e a
possibilidade de controle dos atos estatais e, na outra vertente, a preservação
da esfera de privacidade e de intimidade dos membros do corpo social. E, como
adverte Ivo Dantas, “não será possível isolarmos cada um dos princípios, poise
les só serão devidamente compreendidos quando vistos em suas relações com os
demais. A união de todos é que forma o Sistema processual”.[3]
O ESTADO DE DIREITO E A TRANSPARÊNCIA DOS ATOS
ESTATAIS
O Estado de Direito não admite zonas de humanidade[4].
Exercido o poder politico em nome do povo, o Estado assume intrinsecamente o
dever de prestar contas acerca dessa delegação, justificando as ações perante
a sociedade (a denominada accountability,
sem tradução exata em língua portuguesa).
A Transparência e o controle do poder pressupõem, por sua
vez, entre vários elementos, a capacidade de resposta dos governos (a answerability, um dos aspectos da accountability). Cumpre aos agentes
políticos o dever de prestar informações acerca de suas decisões, bem como de
motivá-loas e explicá-las ao corpo social.
O Estado de Direito, em suma, engloba entre as suas
exigências a publicidade e a motivação dos seus atos, admitindo apenas
excepcionalmente a flexibilidade desse preceito.
Como a função jurisdicional se insere no âmbito de
exercício do poder politico, encontra-se submetida a este regime de accountability e answerability, o qual, no campo específico do processo, impõe a
publicidade dos atos processuais e a motivação das decisões do estado-juiz (Constituição
da República, art. 5º, LX e 93, IX).[5]
Não se olvide que uma das características dos regimes
autoritários consiste na suspensão das formas válidas de justificação do
Estado, bem como nas limitações impostas à liberdade de informação, medidas tendentes
a inviabilizar o controle social. Basta lembrar o célebre “Ministério da verdade”, da obra de 1984, do George Orwell, encarregado de destruir documentos e
reescrever os fatos históricos consoante os interesses do Governo. O direito
processual, inclusive, não se mostra alheio a esse fenômeno, como se percebe,
v. g., do enfraquecimento do dever de motivação durante o regime nazista.[6]
Logo, a publicidade e a motivação no processo civil
integram a accountability das governanças e são cláusulas inerentes ao Estado
de Direito.[7]
Em face das peculiaridades do fenômeno processual,
entretanto, urge indagar dos destinatários dessa garantia. Em outros termos, é
necessário esclarecer se a dialeticidade ínsta à relação processual reduz a answerability apenas às partes ou, como
emanação do poder politico, a resposta estatal permanece direcionada (e
portanto disponível) à sociedade como um todo.
A resposta, advirta-se de logo, sofre a influência da
ideologia predominante em cada contexto sociopolítico.[8] É
cambiável no tempo e no espaço, como parte da visão de mundo e, mais
especificamente, da visão do processo.
No atual contexto brasileiro, onde predomina a ótica da
instrumentalidade do processo, a solução estatal do conflito nitidamente não se
dirige apenas às partes, mas à sociedade em geral.
Se o processo visa à pacificação com Justiça, o bom
funcionamento de seu aparelho é preocupação que extrapola as partes em litígio
e se insere nas raias do interesse público.[9]
Ademais, como registra Nélson Saldanha, deve-se atentar
para “as metamorfoses do Direito Processual, antes mero repertório de normas e
hoje confluência de questões decisivas e temas fundamentais”.[10]
Passam pelo Poder Judiciário questões relevantes ao
convívio social, desde a formulação e implementação das políticas públicas até
a concretização dos direitos fundamentais. Em suma rápida visão retrospectiva,
basta lembrar o controle das políticas públicas de saúde, a pesquisa com
células-tronco, a proibição ao nepotismo, a aplicação da “Lei da Ficha Limpa”,
além de dezenas de outros temas relevantes, nos quais a decisão final coube
recentemente ao Supremo tribunal Federal.
Some-se a esse acervo o universo de demandas decididas
pelos demais órgãos do Poder Judiciário e se concluirá que poucos temas caros à
sociedade não se encontram submetidos à análise de poucos e se espalham por
todo o tecido social. Tais conflitos, por sua vez, motivam o surgimento de
ondas renovatórias, como o julgamento por amostragem (mediante a criação de
paradigmas interpretativos) e a generalização da figura do amicus curiae, modalidade
de intervenção de terceiros bem mais abrangente que a clássica figura da
assistência simples.
Em regra, não se pode mais falar em “meu processo ou em seu
processo”, quer pela disseminação dos efeitos coletivos (onde se operou a
reforma dos institutos clássicos da legitimidade ad causam e dos limites
subjetivos da coisa julgada), quer pela possibilidade de circulação de
argumentos e de decisões judiciais. Em determinado processo !individual”, com
efeito, pode surgir precedente capaz de influir diretamente nas relações
semelhantes, titularizadas por terceiros, em um fenômeno bem mais intenso que o
mero conceito de eficácia reflexa da sentença.
Em outros termos, as lides – ainda quando individuais – são
postas em rede, dialogando entre si, de modo que:
a)
a resposta obtida em dado
processo pode ser projetada aos demais, em virtude de sua função paradigmática
e de sua pretensão à adesão dos demais órgãos do Poder Judiciário e dos demais
membros do corpo social;
b)
do ponto de vista estrutural,
nota-se uma reformulação do contraditório, de modo a permitir – sobretudo nas
causas repetitivas – o fluxo de informações e argumentos produzidos por todos
os interessados, compensando-se o défice de participação que poderia surgir da
projeção de eficácia daquele julgamento em direção à slides semelhantes.
Além desses vários argumentos, como um último tiro na
concepção do processo como “coisa das partes”, há o seu lado pedagógico, que consiste
na educação para a cidadania: “Outra
missão que o exercício continuado e eficiente da jurisdição deve levar o Estado
a cumprir perante a sociedade é a de conscientizar os membros desta para
direitos e obrigações. Na medida em que a população confie em seu Poder
Judiciário, cada um dos seus membros tende a ser mais zeloso dos próprios
direitos e se sente mais responsável pela observância dos alheios”[11]
Em resumo, a instrumentalidade do processo estimula a sua
abertura para a sociedade, exigência que se reflete na liberdade de acesso ao
seu conteúdo, mesmo por pessoas que, em princípio, nele não figuram como
partes.
A
GARANTIA DE PRIVACIDADE E O SEGREDO DE JUSTIÇA
O ruído entre princípios constitucionais se estabelece,
entretanto, diante do reconhecimento e da manutenção de uma esfera de proteção
à intimidade e à privacidade dos membros do corpo social, em sentido
vetorialmente inverso à abertura acima comentada.
Verbi gratia,
norma secular ainda hoje veda a abertura de janelas e varandas que deitem sobre
o prédio do vizinho, sem que guardem uma distênica minima, capaz de impedir a
devassa da vida alheia (Código Civil, art. 1.301).
Pode-se falar, então, em uma expectativa de privar os
demais de verem e ouvirem, pretensão alçada ao status de garantia constitucional:
Art.
5º, omissis
X – são invioláveis a
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o
direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
A vida privada “abrange
situações que envolvam aspectos onde, de alguma forma, não gostaríamos de
qualquer publicidade ao seu redor, seja nas suas relações de trabalho, familiares ou setores da comunidade”. A intimidade, ao seu turno, “é o âmbito do exclusive que alguém reserve
para si, sem nenhuma repercussão social, nem mesmo ao alcance da sua vida
privada que, por mais isolada que seja, é sempre um viver entre os outros (na
família, no trabalho, no lazer comum)”[12].
Trata-se, pois, de um “círculo mais
restrito do direito à vida privada”[13].
Na essência, trata-se de capítulos do eterno debate entre
os limites à efetivação do interesse público não apenas em face de interesses
pessoais, de natureza privada, mas de outros interesses igualmente públicos.
Com efeito:
O interesse público não é um
bloco homogêneo, mas um mosaico formado das mais diferentes tesselas. A
expressão “supremacia do interesse público” tenta reduzir a complexidade do
fenômeno, com nítida função justificadora, mas olvida a pluralidade de
interesses públicos, atomizados, a precisar de integração.[14]
Nesta ótica, não se pode
falar em dicotomia pura entre o “interesse público” e o “interesse privado”. A
atuação frequentemente converge para o atendimento de necessidades privadas,
como consequência da própria razão de ser do estado, instrumento de realização
dos valores sociais. Esta pluralidade de “interesses públicos” realça a
competência dos órgãos encarregados da sua ponderação e hierarquização no caso
concreto.[15]
No campo de processo civil, o ideal seria apartarem-se os
atos praticados pelas partes (aos quais se aplicaria a cláusula de privacidade)
e aqueles advindos do estado-juiz e de seus colaboradores (sujeitos às
exigências da accountability).
Essa harmonização simplista, entretanto, não se faz
possível, pois desconsidera a interação existente entre ambas as categorias.
Desde o século passado se debate a ideia de colaboração no dereito processual,
a qual – hoje amplamente aceita – surge “uma
pluralidade de pessoas operantes contemporaneamente e em concerto para
conseguir um resultado de síntese, que não poderia ser alcançado por apenas um
indivíduo”.[16]
Atos das partes provocam atos judiciais (e vice-versa) e,
afinal, todos esses atos dialogam entre si. Logo, resta frustrada qualquer
perspectiva de sectarização, pois se espera
que
uma sentença, por exemplo, enfrente os argumentos e provas carreados ao
processo pelas partes e, mais que isso, explicite as razões de sua recusa ou
acolhimento.
A lei, de qualquer modo, oferece sua proposta de equilíbrio
(Código de Processo Civil, art. 155), in verbis:
Art.
155. Os atos
processuais são públicos. Correm, todavia, em segredo de Justiça os processos:
I – em que o exigir o
interesse público;
II – que dizem respeito a
casamento, filiação, separação dos cñjuges, conversão desta em divórcio, alimentos
e guarda de menores.
Parágrafo
único. O
direito de consultar os autos e de pedir certidões de seus atos é restrito às
partes e a seus procuradores. O terceiro, que demonstrar interesse jurídico,
pode requerer ao juiz certidão do dispositivo da sentença, bem como de
inventário e partilha resultante do desquite.
Pela interpretação literal do dispositivo, tem-se qua: a) a
publicidade dos atos processuais é regra geral; b) essa regra pode ser afastada
em casos de interesse público ou pertinentes a certos de direito de família; c)
o acesso aos autos, em princípio, cabe apenas às partes e procuradores.
Estas regras, contudo, não são suficientes para a
harmonização dos princípios constitucionais em comento.
Observe-se inicialmente que o rol do art. 155, inc. II, não
se presta a delimitar rigorosamente as hipóteses de proteção à privacidade e à
intimidade, garantidas constitucionalmente.
Embora a vida privada esteja historicamente associada ao
trato familiar, não há dúvidas de que hoje em dia ultrapassa essa seara,
abrangendo outras manifestações do agir humano.
Um exemplo ajuda a ilustrar tal questão. Nos Juizados
Especiais Federais são frequentes as demandas previdenciárias baseadas em
soropositividade, nas quais a parte autora requer a tramitação do feito em
segredo de justiça.
A contaminação pelo vírus da Síndrome da Imunodeficiência
Adquirida não se trata, de modo algum, de evento lesivo à imagem ou à honra.
Contudo, não se pode negar o preconceito ainda existente na sociedade e a
fragilidade emocional por vezes manifestada pelos seus portadores. Assim, em
uma perspectiva fundada na dignidade da pessoa humana, bastam tais aspectos
para conduzir o tema ao campo da vida privada e justificar a proteção
pleiteada.[17]
A garantia de exclusão do acesso de terceiros, no caso, não
encontra lastro explícito no Código de Processo Civil, mas decorre de
imperativa constitucional, aplicável diretamente diante da força normativa dos
princípios, ou trazido implicitamente ao debate, quando, mediante a ferramenta
da interpretação conforme a Constituição, afirma-se que o rol do art. 155, inc.
II, é meramente exemplificativo.[18]
Há, em Segundo lugar, um paradoxo entre o caput do
dispositivo e o seu parágrafo único. Este aparentemente limita a consulta dos
autos às partes e aos procuradores. Aquele qualifica como públicos os atos
processuais em geral, ressalvado o segredo de Justiça.
Como dantes mencionados, o princípio da publicidade dos
atos processuais permite que conteúdo dos autos seja em regra acessado por
qualquer pessoa, ainda que não faça parte da relação processual. Franquear-se o
acesso apenas aos que figuram nessa relação (e aos seus patronos) seria, em
verdade, o antônimo da publicidade, a sua negação.[19]
Neste sentido, observe-se que o Superior Tribunal de
Justiça tende a aplicar o parágrafo único do art. 155 do Código de Processo
Civil apenas aos casos de segredo de justiça, não ao regime geral de
publicidade, previsto no caput do dispositivo:
Processual.
CPC, art. 155. Consulta de autos em cartório. Preposto. Possibilidade.
Princípio da publicidade dos atos processuais.
É
permitida a vista dos autos em Cartório por terceiro que tenha interesse
jurídico na causa, desde que o processo não tramite em segredo de justiça.
(REsp.
656.070/SP – Rel. Min. Humberto Gomes de Barros – 3ª T. – j. em 20.09.2007 –
DJ15.10.2007 – p. 255)
Processual
civil. Princípio da publicidade dos atos processuais. Possibilidade de o
preposto da parte autora ter vista dos autos em Cartório.
-
De acordo com o princípio da publicidade dos atos processuais, é permitida a
vista dos autos do processo em cartório por qualquer pessoa, desde que não
tramite em segredo de justiça.
-
Hipótese em que o preposto do autor se dirigiu pessoalmente ao cartório para
verificar se havia sido deferido o pedido liminar formulado.
-
O Juiz indeferiu o pedido de vista dos autos do processo em cartório,
restringido o exame apenas aos advogados e estagiários regularmente inscritos
na OAB.
(REsp.
660.284/SP – Relª. Minª. Nancy Andrighi – 3ª T. – j. em 10.11.2005 – DJ
19.12.2005 – p. 400).
Transcreva-se excerto do voto proferido pela Ministra Nancy
Andrighi no julgamento acima mencionado:
Um dos princípios
fundamentais do processo é o princípio da publicidade dos atos processuais,
insculpido no caput do art. 155 do CPC.
A Lei restringiu essa
publicidade, nos incs. I e II do citado artigo, apenas em situações de
interesse público ou em que haja necessidade de preservação da intimidade,
determinando que os processos nessas situações corram em segredo de justiça.
Assim, apenas para esses
processos, em que o interesse social ou a defesa da intimidade exigem, há a
restrição de consulta aos autos prevista no parágrafo único do citado artigo.
(…)
Entender de maneira diversa
importaria em ofensa ao princípio constitucional da publicidade dos atos
processuais (CF, art. 5º, inc. LX).[20]
Logo, sob a sistemática do Código de Processo Civil, é
permitido a qualquer pessoa consultar aos autos de processos judiciais,
ressalvados os casos de segredo de Justiça, nos quais, em homenagem ao
interesse público e/ou à vida privada, franqueia-se, total ou parcialmente[21], o
acesso apenas às partes e a seus advogados.
O
PROCESSO ELETRÔNICO E O PROBLEMA DA INVISIBILIDADE
Devem-se indagar, em seguida, quais as peculiaridades do
processo eletrônico capazes de submetê-lo ao regime diferenciado previsto no
art. 11, §6º da Lei n° 11.419 de 19 de dezembro de 2006.
Não se deve perder de vista que o avanço tecnológico
repercute sobre as relações sociais e pode catalisar processos de mudanças.
Dito de outro modo, não implica apenas substituição de ferramentas e de
processos subalternos de produção, mas é capaz de conduzir ao aggiornamento do modo de vista em
sociedade.
No que tange especificamente ao tema do artigo, a
tecnologia, ao encurtar distâncias, reduziu as barreiras de comunicação e
aguçou os sentidos do homem, permitindo-lhe ver e ouvir através de paredes e de
outros materiais. E cada vez mais longe. E de modo cada vez mais imediato e
eficiente.
A sociedade contemporânea, portanto, convive com um
potencial de desrespeito à vida privada e à intimidade superior ao
identificável no século passado. Embora decorridas poucas décadas, a evolução
tecnológica exige a readequação dos mecanismos de proteção de indivíduo, sob
pena de deixá-lo exposto ao Big Brother.[22]
A peculiaridade dos autos eletrônicos, partindo-se dessa
premissa, consiste na alteração que impuseram ao equilíbrio, bastante caro à
filosofia moral, entre a ver e o ser visto.
O problema se põe na perspectiva do anonimato e da
invisibilidade, tratados por Platão em sua República:
E o poder a que me refiro
seria mais ou menos como o seguinte: terem a faculdade que se diz ter sido
concedida ao antepassado do Lídio [Giges]. Era ele um pastor que servia em casa
do que era então soberano da Lìdia. Devido a uma grande tempestade e tremor de
terra, rasgou-se o solo e abriu-se uma fenda no local onde ele apascentava o
rebanho. Admirado ao ver tal coisa, desceu por lá e contemplou, entre outras
maravilhas que para aí fantasia, um cavalo de bronze, oco, com umas aberturas,
espreitando através das quais viu lá dentro um cadáver, aparentemente maior do
que um homem, e que não tinha mais nada senão um anel de ouro na mão.
Arrancou-lho e saiu. Ora, como os pastores se tivessem reunido, da maneira
habitual, a fim de comunicarem ao rei, todos os meses, o que dizia respeito aos
rebanhos, Giges foi lá também, com o seu anel. Estando ele, pois, sentado no
meio dos outros, deu por acaso uma volta ao engaste do anel para dentro, em
direção à parte inteira da mão, e, ao fazer isso, tronou-se invisível para os
que estavam ao lado, os quais falavam dele como se tivesse ido embora.
Admirado, passou de novo a mão pelo anel e virou para for a o engaste. Assim
que o fez, tornou-se visível. Tendo observado estes fatos, experimentou, a ver
se o anel tinha aquele poder, e verificou que, se voltasse o engaste para
dentro, se tratou de ser um dos delegados que iam junto do rei. Uma vez lá
chegando, seduziu a mulher do soberano, e com o auxílio dela, atacou-o e
matou-o, e assim se assenhoreou do poder.
Se, portanto, houvesse dois
anéis como este, e o homem justo pusesse um, e o injusto outro, não haveria
ninguém, ao que parece, tão inabalável que permanecesse no caminho da justiça,
e que fosse capaz de se abster dos bens alheios e de não lhes tocar, sendo-lhe
dado tirar à vontade o que quisesse do Mercado, entrar nas casas e unir-se a
quem lhe apetecesse, matar ou liberar das algemas a quem lhe aprouvesse, e
fazer tudo o mais entre os homens, como se fosse igual aos deuses.
Comportando-se desta maneira, os seus atos em nada diferenciariam dos do outro,
mas ambos levariam o mesmo caminho.[23]
Na ótica platônica, o fato de ser visto pelos outros impõe
limites à atuação humana, fortalecendo as amarras que mantêm o homem na esfera
da licitude e das boas regras do convívio social. A invisibilidade, a contrario
sensu, enfraqueceria o hábito geral de obediência e traria à tona as
imperfeições éticas do indivíduo.
A diminuição do gradiente de efetividade das normas
imperativas, a produzir dificuldade (ou mesmo impossibilidade) de
responsabilização do sujeito, criaria uma esfera de solidão, onde a disciplina
de conduta apenas atenderia à moral individual e religiosa, aos poucos
esmaecida.
Enfim, a obra de Platão enfatiza o nexo entre visibilidade,
responsabilidade e obediência a ditames éticos.
O anonimato, inserido nesse contexto de invisibilidade,
permite ao homem agir sem ser visto, participar sem ser notado. É um agir
alheio ao campo de responsabilidade; logo, apenas pode ser consentido
excepcionalmente, quer no que tange à vida política, quer no que interfira na
vida privada de outrem.
Retornando-se ao debate acerca do acesso aos autos
eletrônicos, observe-se a diferença de postura provocada pela informatização
dos processos judiciais: nos casos que tramitem em suporte físico tradicional,
o interessado em consultar os autos se desloca ao Fórum e solicita o volume à
Secretaria; nos feitos telemáticos, acessaria a partir de computador conectado
à rede mundial.
O novo paradigma, como mencionado, facilitaria
desmedidamente o acesso e alteraria o equilíbrio entre o ver e o ser visto[24],
repercutindo, segundo demonstra a teoria platônica, no próprio comportamento
humano. Haveria o risco, então, de captação de dados em larga escala, ato
inimaginável ao legislador de 1970.
Não se olvide, por outro lado, que as informações contidas
no processo judicial devem ser razoavelmente protegidas, mesmo nos casos não
submetidos ao segredo de justiça, pois o acesso indiscriminado e invisível de
terceiros pode ser capaz de prejudicar bens jurídicos.
Documentos cotidianos, como a cédula de identidade, o
cartão de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda,
comprovantes de residência e outras peças singelas podem ser utilizados em
práticas irregulares, ensejando as mais diversas espécies de fraudes, como a
contratação de empréstimos, a abertura de contas correntes irregularidades do
tipo.
Mesmo dados processuais simples, como os inerentes ao cumprimento
da sentença, podem conduzir a situações indesejáveis. Quem gostaria de alarde
sobre o recebimento de precatório ou requisição de pequeno valor, ainda mais se
informado o valor de crédito a receber?
A esfera constitucional de privacidade, portanto, exige o
reequilíbrio dessa equação, mediante soluções, obviamente, diversas das
previstas pelo Código de Processo Civil, pois destinadas a um contexto diferente. Legitima-se assim a restrição utilizada pelo mencionado art. 11,
§6º, da Lei n° 11.419, de 2006.
A
POSIÇÃO ADOTADA PELO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
A restrição ao acesso de terceiros aos autos eletrônicos
foi mantida pelo Conselho Nacional de Justiça em conhecido procedente:
Recurso
administrativo em pedido de providências. Arquivamento. Acesso público às
decisões e documentos dos processos eletrônicos no Conselho Nacional de Justiça
e nos Juizados Especiais Federais de São Paulo. Impossibilidade. Lei n°
11.419/06. Código de Processo Civil, art. 155.
1. A
disciplina relative ao acesso aos documentos digitalizados e juntados aos
processos eletrônicos, no CNJ e nos demais órgãos do Poder Judiciário, há de
observer o disposto na Lei n° 11.419/06 (art. 11, §6º) art. 155 do CPC.
2. A
publicidade dos atos processuais (CPC art. 155) não autoriza acesso irrestrito
por terceiros ao conteúdo de documentos juntados aos autos ou aos processos
eletrônicos.
Recurso
a que se nega provimento.
(PP
200710000010328 – Rel. Cons. José Adonis Callou de Araújo Sé – j. em 25.03.2008
– 59ª Sessão Ordinária – DJ 15.04.2008).[25]
Entretanto, por amor veritatis, register-se a divergência
verificada nos anos seguintes, no âmbito do Congresso Nacional de Justiça,
quanto ao acesso aos autos eletrônicos por advogados que não patrocinam o
feito.
No Procedimento de Controle Administrativo
2007.10.00.000393-2, Rel. Cons. Antônio Umberto de Souza Junior, julgado em
15.05.2008, entendeu-se que, “nos
processos digitais, o acesso à íntegra dos autos é limitado às partes,
constituindo mais uma exceção à regra geral de liberdade de acesso dos
advogados aos processos, independentemente de procuração”.
E, em questão de ordem decidida na mesma sessão de
julgamento, editou-se o Enunciado administrativo 11 do CNJ: “Nos processos digitais findos ou em curso
perante o Conselho Nacional de Justiça, o acesso à íntegra dos autos é limitado
às partes e seus advogados constituídos, e aos Ministério Público” (Lei n°
11.419/06, art. 11, §6º).
Este enunciado, porém, foi revogado em 09.09.2008, por meio
da Proposta de revisão 2008.20.00.000732-5, apresentada pelo Cons. Tércio Lins e
Silva, ao argumento de que o Estatuto da Advocacia (Lei n° 8.906, de
04.07.1994) é norma específica e não se curve aos comandos gerais da Lei n°
11.419/06.
Em 27.10.2009, quando do julgamento do Pedido de
Providências 2009.10.00.002808-1, Rel. Cons. José Adonis Callou de Araújo Sá, o
Conselho reconheceu a legalidade do regramento utilizado pelo Superior Tribunal
de Justiça, que assegura aos advogados sem procuração “a consulta de qualquer autos, eletrônicos ou físicos, nas Secretarias
dos Órgãos Julgadores (…), ressalvadas as situações de sigilo”.
Este entendimento, por fim, restou mantido no Pedido de
Providências 2009.10.00.005075-0, de mesma relatoria, julgado em 26.01.2010, no
qual se determinaram “as providências necessárias
a permitir o acesso e obtenção de cópias dos processos eletrônicos pelos
advogados, mesmo sem procuração, ressalvadas as hipóteses legais de sigilo e a
restrição prevista no art. 11, §6º, da Lei 11.419/06”.
Depois dessas idas e vindas, o dissídio aparentemente se
arrefeceu, editando-se por fim a Resolução 121, de 05.10.2010:
Art. 1º. A consulta aos dados
básicos dos processos judiciais será disponibilizada na rede mundial de
computadores (internet); assegurando o direito de acesso a informações processuais
a toda e qualquer pessoa, independentemente de prévio cadastramento ou de demonstração
neste artigo.
Art. 2º. Os dados básicos do
processo de livre acesso são:
I – número, classe e assuntos
do processo;
II – nome das partes e de
seus processos;
III – movimentação
processual;
IV – inteiro teor das
decisões, sentenças, votos e acórdãos.
Art. 3º. O advogado
cadastrado e habilitado nos autos, as partes cadastradas e o membro do
Ministério público cadastrado terão acesso a todo o conteúdo do processo eletrônico.
§ 1º Os sistemas devem
possibilitar que advogados, procuradores e membros do Ministério Público
cadastrados, mas não vinculados a processo previamente identificado, acessem
automaticamente todos os atos e documentos processuais armazenados em meio
eletrônico, desde que demonstrado interesse, para fins, apenas, de registro,
salvo nos casos de processos em sigilo ou segredo de justiça.
§ 2º deverá haver mecanismo
que register cada acesso previsto no parágrafo anterior.
Em síntese, o regime atualmente em vigor logrou alcançar o
desejável ponto de equilíbrio:
a) Quanto ao público em geral,
admitiu-se o amplo acesso às informações processuais. Neste caso, as
informações básicas serão disponibilizadas pela rede mundial de computadores,
entendendo-se que as demais (bem como a obtenção de certidões e cópia de peças
dos autos), diante do silêncio da resolução, devem ser requisitadas ao juiz da
causa;
b) Quanto aos advogados que não
patrocinam o feito, a expressão “desde
que demonstrado interesse, para fins, apenas, de registro” permite amplo
acesso, mas mediante registro da ocorrência e da justificativa apresentada, o
que evita os males dantes descritos;
c) Nas situações de sigilo ou
segredo de Justiça, o acesso às informações do processo apenas será franqueado
às partes e aos seus patrocinadores.
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[1] “Essa é uma norma muito
polêmica, pois faz refletir sobre o direito de acesso aos autos de qualquer
processo por parte não só dos que são nele envolvidos, como, também, por parte
dos advogados e de toda a sociedade”. (CALMON, Petrônio. Comentários à Lei da Informatização do Processo Judicial, Rio de Janeiro:
Forense, 2007, p. 117).
[2] Vide, por exemplo, os
Pedidos de Providências 2007.10.00.001032-8, 2009.10.00.002808-1 e
2009.10.00.005075-0.
[3] DANTAS, Ivo. Dos princípios
processuais na ciência processual contemporênea. Anuário do Mestrado em Direito. Recife: Universidade Federal de Pernambuco,
1993, n° 6, p. 362.
[4] Como afirma Garcia de
Enterria, o conceito primordial para o “novo” Direito Público, advindo do
regime pós-revolucionário francês, consiste no “ato arbitrário” e, para
combatê-lo, dois instrumentos foram desenhados: “o conceito institucional de
direito subjetivo e a técnica da legalidade ou do reinado da lei, como leito
necessário ao exercício do poder politico e, por sua vez, à garantia da
liberdadee dos direitos a ela inerentes” (La lengua de los derechos: la
formación del derecho público europeo tras la Revolución Francesa, Madrid: Real
Academia Española, 1994, p. 50). Todo o desenvolvimento posterior da matéria
teve por meta reconduzir o direito de resistência dos cidadãos às vias
ordinárias de controle do poder politico, evitando a instabilidade política. A
criação de zonas de imunidades, portanto, implicaria nítido retrocesso.
[5] Sobre o tema, mais
amplamente, v. DANTAS, Ivo. Constituição
e processo. Curitiba: Juruá, 2007, p. 382 e ss.; COLOMER HERNANDEZ,
Ignácio. La motivación de las sentencias:
sus exigências constitucionales ylegale. Valencia: Tirat Lo Clanch, 2003.
[6] CALAMANDREI, Piero. Advertencia. In: ______. Los estudios de derecho procesal en Italia. Tradução de Santiago
Sentis Mekendo. Buenos Aires: EJEA, 1959, p. 17.
[7] Cf. BARBOSA MOREIRA, José
Carlos. A motivação das decisões judiciais como garantia inerente ao Estado de
Direito. In: ______. Temas de Direito
Processual (Segunda Série). São Paulo: Saraiva, 1980, p. 83 et seq.
[8] Sobre a influência das ideologias
no campo processual, vide CAPPELLETTI, Mauro. Ideologías en el derecho
procesal. In: ______. Proceso,
ideologías, sociedad. Tradução de Santiago Sentis Melendo e Tomás A.
Banzhaf. Buenos Aires: EJEA, 1974, p. 3-31.
[9] Neste sentido: “Se todo
poder emana do povo e em seu nome é exercido, então é natural que o povo possa
acompanhar as decisões do Poder Judiciário, e constatar a idoneidade de sua
atuação para atender aos postulados do Estado de Direito, fazendo com que
permaneça o seu consentimento a essa instituição. A correção com que é atuada a
tutela jurisdicional, sob esse aspecto, deixa de interessar imediatamente
apenas às partes interessadas no processo, para constituir, mediatamente, um
interesse de toda uma coletividade (…)”. (PERO, Maria Thereza Gonçalves. A motivação da sentença civil. São
Paulo: Saraiva, 2001, p. 63).
[10] SALDANHA, Nélson. Sobre a
renovação do direito público. In: ______. Teoria
do direito e crítica histórica. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1987, p.
142.
[11] DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São
Paulo: Malheiros, 1996, p. 162. Por outro lado, uma sociedade mais confidente
no Judiciário também representa garantia contra a instabilidade política: “quem
dá independência e poder ao juiz é a opinião pública, é a consciência do valor
Justiça nos integrantes da sociedade política, porque é nela que o juiz se
apóia e é a ela que deve prestar contas”. (CALMON DE PASSOS, José Joaquim.
Administração da Justiça no Brasil: visão para além do imediato. In: GRINOVER,
ada Pellegrini (Coord.). Estudos de
direito processual em homenagem a José Frederico Marques. São Paulo:
Saraiva, 1982, p. 197).
[12] FERRAZ, Tércio Sampaio. Sigilo de dados: direito à privacidade e os
limites à função fiscalizadora do Estado. Disponível em: http://www.terciosampaioferrazjr.com.br/?q=/publicacoes-cientificas/49. Acesso em: 20 de maio de
2014.
[13] DOTTI, Renè Ariel. Proteção da Vida Privada e Liberdade de
Informação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 67-70.
[14] “O equívoco dos que enchem a
boca com o interesse público reside principalmente nisto: que na compreensão
desse conceito altamente abstrato e genérico não existe apenas um interesse,
mas nela se situa, ao contrário, uma extensão enorme de interesses
diferenciados, tão ampla quanto aquela que diversifica os interesses privados”
(LACERDA, Galeno. O juiz e a Justiça no
Brasil. In: TEIXEIRA, Sávio de figueiredo (Coord.). O Judiciário e a Constituição. São Paulo: Saraiva, 1994, p.
140). Há de se identificar, portanto, o “interesse público concreto”, como um
“ato de síntese” resultante da atividade ponderatória (ANTUNES, Luís Felipe
Colaço. O direito administrativo e a sua
Justiça no início do século XXI. Coimbra: Almedina, 2001, p. 45).
[15] SILVA NETO, Francisco
Antônio de Barros e. A improbidade
processual da Administração Pública e sua responsabilidade objetiva pelo dano
processual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 262.
[16] GRASSO, Eduardo. La collaborazione nel processo civile.
Revista di diritto processuale. Padova: Cedam, segunda série, a. 21, nº 3, p.
584-586, 1966.
[17] Essa proteção, outrossim,
não se limita às pessoas físicas. Em processos a questões empresariais, não é raro
que a defesa da concordância imponha restrições à publicidade de atos
processuais. Percebe-se sempre, como denominador comum, um valor constitucional
a ser protegido.
[18] “Com relação ao inc. II,
porém, a Constituição modifica parcialmente as considerações expendidas nestes Comentários quanto à natureza da
enumeração contida nesse texto 9o do inc. II). Se anteriormente a regra podia
ser interpretada como taxativa, por se tratar de exceção ao princípio da
publicidade, e como tal deve ser entendida restritivamente, alteram-se agora os
dados para equacionar e solucionar o problema. É que, ao afastar a incidência
do princípio da publicidade ‘em defesa da intimidade’, conceito obviamente
flexível, a disposição contida na Carta veio tornar exemplificativo a enumeração
do aludido inc. II” (MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense,
1998, v. 2, p. 15). No mesmo sentido: “o art. 5º, inc. LX, da Constituição
Federal, ao lado do ‘interesse social’, que, ao efeito, se pode ter como
identificado com o conceito de “interesse público” de que fala a lei
processual, registra também, como causa de exceção à publicidade dos atos
processuais, a necessidade de ‘defesa da intimidade’, ampliando-se, assim, a
possibilidade de exceção”. (DALL’AGNOL, Antonio. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007, v. 2, p. 243-244).
[19] “Publicus, a, um significativa, a princípio: relative ao povo e
opunha-se a privatus, que dizia
respeito a uma só pessoa. Passou, depois, a designer o que ocorria em face de
todos, contrariamente ao que era mantido em sigilo e acontecia perante número
limitado de pessoas”. (TORNAGHI, Hélio. Comentários
ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975, v. 2,
p. 10).
[20] Em sentido conforme o
excerto: MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu. Op. cit., p. 14; grafo único aos casos
em geral: TORNAGHI, hélio. Op. cit., p. 11. Do mesmo modo, expandindo a
aplicação do mencionado parágrafo único ao regime geral de publicidade, confira-se
a decisão proferida pelo Conselho Nacional de Justiça no Pedido de Providências
200710000010328, Rel. Cons. José Adonis Callou de Araújo Sá, j. em 25.03.2008.
[21] É possível que apenas um ou
alguns documentos ostente a cláusula de sigilo, admitindo-se acesso de
terceiros aos demais. Nesse caso, porém, cria-se um problema de logística: a
própria dialética, como visto, sugere que os integrantes do processo debaterão
os fatos sigilosos, de modo que a reserve se estenderá gradualmente a todos os
atos processuais nos quais o tema sigiloso for mencionado, incrementando a
necessidade de controle.
[22] Entendido não no sentido de
cultura inútil global e televisiva, mas em referência, novamente, ao livro 1984, de George Orwell.
[24] Ainda que o acesso
eletrônico seja rastreável, a ideia de invisibilidade se mantém, pois
problemático, para os fins do presente ensaio, não é apenas aquele que não pode
ser visto, mas também aquele levado a crer em sua invisibilidade.
[25] Na fundamentação, o
conselheiro relator externou a mesma preocupação do presente artigo: “o acesso
por terceiros a todos os documentos do processo acarretaria exposição desmedida
das partes à curiosidade de terceiros, inclusive com possibilidade de
utilização indevida de informações que dizem respeito à intimidade de pessoas”.
No mesmo sentido: PAULA, Wesley Roberto de. Publicidade
ao processo judicial eletrônico. São Paulo: LTr, 2009, p. 95 e ss.