sexta-feira, 7 de novembro de 2014

A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO DA FAMÍLIA

Adriana Flávia Peixoto[1]
Rogério Fernandes[2] - Colaborador
Carina Mello [3] - Orientadora
  
RESUMO: A família no direito contemporâneo tem por fundamento a dignidade da pessoa humana. A partir desse paradigma, o espaço jurídico contempla todos os moldes familiares praticado na sociedade, respeitando-se a dignidade e a liberdade entre os membros. A solidariedade é elemento traduzido no afeto e serve de sustentáculo para a corrente relacional familiar, visando a buscar o desenvolvimento e a felicidade do ser humano.

Palavras-chave: Direito de Família. Direito Fundamental. Dignidade da Pessoa Humana. Desenvolvimento e Felicidade do Ser Humano.

ABSTRACT: The Family in Contemporary law is founded on the dignity of the human person. From this paradigm, the legal space contemplates all family molds practiced in society, respecting the dignity and freedom among the members. Solidarity element is translated into affection and underpins for family relational chain, aimed at fostering the development and happiness of human beings.

Keywords: Family Law. Fundamental right. Dignity of the human person. Development and human happiness.

 SUMÁRIO: Introdução; 1. A família sob a perspectiva constitucional; 2. Princípios constitucionais do direito de família; 2.1 Princípio da dignidade da pessoa humana; 2.2 Princípio da Liberdade; 2.3 Princípio da igualdade; 2.4 Princípio da solidariedade familiar; 2.5 Princípio do pluralismo das entidades familiares; 2.6 Princípio da proteção integral às crianças, adolescentes e idosos; 2.7 Princípio da afetividade; 3. Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

A família somente pôde ser organizada como formação social quando o homem passou do estado da natureza para o estado de cultura.
A família, célula nuclear do convívio social humano, é tida como a base da sociedade, motive pelo qual as Constituições contemporâneas emprestam especial atenção a esse conjunto de relações jurídicas.
Tradicionalmente, o Direito de Família é visto como pertencente ao Direito Privado. Entretanto, graças às exigências da pós-modernidade, em que se insuflam constitucionalmente princípios contemporâneos, o Estado tem voltado os olhos para as relações familiares, até porque alguns temas, como criança e adolescente, idoso, condição da mulher, planejamento familiar, inseminação artificial, entre outros, dizem respeito à implementação de políticas públicas. A matéria deixou de ser preocupação de uma área específica do Direito e tomou proporção multifacetária. Por isso, passou a ser discutida multidisciplinarmente, entre vários saberes e sob vários enfoques. O poder estatal deve ter cuidado de proteger e regular tais questões e instituir programas, sem sufocar ou engessar as relações de Direito de Família.
 Neste quadro, as regras de Direito de Família não se sujeitam exclusivamente à vontade das partes, antes, algumas delas são até mesmo inderrogáveis, insubmissas à vontade individual, sendo imposta às partes, o que justifica serem chamadas de normas de interesse e de ordem pública: normas que atendem aos direitos fundamentais de cada membro da família, mas sob a perspectiva da sociedade.
Mas tal natureza não afasta a concepção de relações privadas, de cunho íntimo entre os membros familiares, que as normas de Direito de Família encerram, uma vez que dizem respeito à convivência entre pessoas baseada na consanguinidade, na afetividade ou na afinidade, tendo como sustentáculo a affection. A família, como sociedade natural, é o locus onde se desenvolve a pessoa com o fim de realização humana.
 Embora o Direito de Família congregue normas de ordem pública, de caráter supraindividual, a família não é titular de interesse apartado de seus membros, superior ao livre desenvolvimento de cada familiar, pois o interesse individual é pensado em comunhão com o do outro, sendo o interesse de um, em diferentes medidas, o interesse dos outros (PERLINGIERI, 2008, p. 974-975).
A grande vantagem do tratamento constitucional dado ao Direito de Família no Brasil foi o reconhecimento de práticas sociais antes desconhecidas pela oficialidade das leis civis. A família legalmente reconhecida deixou de ser apenas e exclusivamente a formada pelo matrimônio. A Constituição Federal de 1988 conferiu efeitos jurídicos aos vínculos de afetividades entre pessoas de sexos opostos que convivem sob o mesmo teto sem serem casadas, bem como também reconheceu como entidade familiar a formada por apenas um dos progenitores e seus filhos, chamada família monoparental. Mas deixou ao sabor da jurisprudência a questão da juridicidade das uniões homossexuais.
O ambiente que prevalece hoje no Direito de Família é o da democratização de suas relações, nas quais o homem e a mulher tem os mesmos direitos e deveres, e até os filhos podem reivindicar situações jurídicas antes inacessíveis devendo à hierarquização existente.
Exige-se a construção de uma nova cultura jurídica para compreender o redimensionamento que a família passou a ter a contemporaneidade, com a ressignificação do conceito de núcleo familiar, gerando a proteção de entidades familiares não reconhecidas pela lei anteriormente, mas sem esquecer que é o afeto o fundamento maior da criação e manutenção da família.
Como base e núcleo da sociedade, a família foi objeto de preocupação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que a considerou fundamental para a sociedade, merecendo tutela da sociedadee do Estado. Daí, então, ser justificável perante as normas internacionais que o Estado de Direito brasileiro constitucionalize o Direito de Família.
Nesse sentido, a proposta de nosso trabalho é o estudo do Direito de Família, visto como um todo unitário, sem descer ao regramento de seus institutos civis, sob o enfoque do vigente constitucionalismo brasileiro, ainda que possamos pecar pela eventual superficialidade que possa ter sido dispensada ao tema.

 1. A FAMÍLIA SOB A PERSPECTIVA CONSTITUCIONAL

O direito da pós-modernidade elege os direitos humanos como paradigma de construção, interpretação e aplicação das normas que regulam a sociedade.
            Esses valores essenciais para a compreensão da vida moderna estão consagrados nas Constituições contemporâneas, que tem influência indecisíveis nas categorias conceituais e nas decisões judiciais conducentes à realização da justiça social.
            A Constituição Federal brasileira de 1988 trouxe a dignidade da pessoa humana e o pleno exercício da cidadania como fundamentos de todo o ordenamento jurídico-constitucional na “nova” sociedade desenhada a partir de uma nova era.
            Os ventos constitucionais sopram em direção ao desenvolvimento humano, pretendendo oferecer qualidade de vida digna aos indivíduos. Nesse mister, houve uma preocupação com instituições sociais básicas da convivência humana. A família, como centro de desenvolvimento formador do indivíduo por excelência, foi objeto de tratamento constitucional em 88.
            O Texto Maior centra a família como núcleo da formação social do indivíduo. Constitucionalmente, a família tem uma específica função serviente: o desenvolvimento da personalidade de seus membros, com respeito à dignidade, e à liberdade individual, à igualdade moral e jurídica e à solidariedade. Tudo começa com a família e a partir da família.
            Assim, a interpretação e os estudos de Direito de Família encontram nas normas constitucionais o quadro delineador de toda sua organicidade institucional, extraindo do seio constitucional os seus princípios norteadores.
            A família, vista como o grande salão central de discussão do Direito de Família, é valor constitucionalmente garantido nos limites de sua conformação civil-constitucional, tendo como substrato maior a valorização da dignidade da pessoa humana, independentemente da moralidade que a família possa assumir. Afinal, a família, de acordo com os parâmetros constitucionais, tem o fim de educação e promoção daqueles que a ela pertencem.
            A partir da família, deslocam-se todos os eixos ligados ao Direito de Família: casamento, união estável, relação homoafetiva, divórcio, relação entre parentes, proteção dos filhos, tutela, curatela, etc.
            O constitucionalismo moderno está atento a esse feixe de relações, cujo ponto principal está no Direito de Família, entre as relações privadas. Com a constitucionalização do Direito de Família, ficou garantida a efetividade de suas normas. O regramento estatal em questões privatísticas só é possível no espaço do Estado Social – o Estado Providência -, no qual se objetiva o bem-estar da coletividade. Entretanto, o controle deve ser tal que não intefira na comunhão de vida e spiritual instituída pela família[4].
            A proibição de não interferência na vida familiar dá-se em respeito ao princípio de dignidade da pessoa humana, constitucionalmente previsto no Texto Magno brasileiro como fundamento da sociedade e das estruturas de poder politico (Constituição Federal, art, 1º, inciso III).
            A compreensão do Direito de Família na ordem constitucional exige que se alinhavem os princípios constitucionais que o regem.

2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE FAMÍLIA

            As transformações sociais constantes e a complexidade social projetam-se na formação da vida familiar e muitas vezes exigem que se opõem. É imperioso que se adote um método de interpretação adequado e eficaz para as práticas sociais, em respeito aos princípios de justiça incorporados no Estado Democrático de Direito.
            O ordenamento jurídico-constitucional é formado por normas jurídicas que podem ser princípios ou regras. “Princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e possibilidades reais existentes” (ALEXY, 2002, p. 86). Assim, os princípios são mandamentos de otimização que se diferenciam das regras pela sua qualidade. É uma distinção qualitativa (ALEXY, 2002, p. 87). Regras e princípios são espécies do gênero norma, porque ambos dizem o que “deve ser”.
            As regras albergam comandos ou mandamentos definitivos, dos quais decorre necessariamente uma consequência jurídica; os princípios, ao contrário, são mandamentos de otimização, constituindo normas que podem ser cumpridas em diferentes graus e a medida devida de seu cumprimento depende tanto das possibilidades de fato quanto das possibilidades jurídicas. O âmbito da possibilidade jurídica é determinado pelos princípios e pelas regras opostas (ALEXY, 2002, p. 86-87).
           As regras contêm determinações no âmbito do fato juridicamente possível, por serem mandamentos definitivos e sua característica de aplicação não é a ponderação, típica dos princípios, mas a subsunção (QUEIROZ, 2002, p. 69, 134).
            A par da tese da otimização, a distinção entre regras e princípios é compreendida melhor ante um conflito de regras e a colisão de princípios. O conflito de regras é solucionado com a inclusão da cláusula de exceção ou declaração de invalidade de uma das regras. Assim, a norma vale ou não vale juridicamente; é o tudo ou nada. Não sendo possível solucionar o conflito de regras dessa forma, apela-se para o recurso das máximas de interpretação de lei, tais como “a lei posterior revoga a lei anterior” e “a lei especial derroga a lei geral” (ALEXY, 2002, p. 88).
            Por sua vez, quando se trata de uma colisão de princípios, não se pode anular nenhum dos princípios colidentes. Abstratamente, os princípios convivem ao mesmo nível. Mas, diante de um caso concreto, os princípios podem entrar em situação de tensão. Nesse esquema, deve-se estabelecer um sistema de prevalência ou primazia de princípio, utilizando-se, para solução judicial, o modelo da dimensão de pesos, tendo prevalência ou primazia o princípio de maior peso.
            A lei de colisão é representada pela ponderação dos interesses opostos. Nessa ponderação, importa determinar qual dos interesses, abstratamente de mesmo valor, possui maior peso para o caso concreto (ALEXY, 2002, p. 90). O método da colisão consiste em estabelecer as condições sob as quais um princípio precede ao outro, para o que se chama relação de procedência condicionada (ALEXY, 2002, p. 92). Consequentemente, não há princípio absolutos (ALEXY, 2002, p. 105 et seq.).
            Os princípios são mandamentos de otimização referentes às possibilidades jurídicas e fáticas. A submáxima da proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, o mandamento de ponderação significa a relativização das possibilidades jurídicas, ou melhor, a proporcionalidade em sentido estrito faz com que os princípios sejam mandamentos de otimização das possibilidades jurídicas. Já as submáximas de necessidade e de adequação significam o caráter dos princípios na condição de mandamentos de otimização das possibilidades fáticas (o que seja faticamente possível, diante do caso concreto).
            Nesse quadro, os princípios de Direito de Família clausulados constitucionalmente, no Brasil, incorporam os valores sociais fundamentais da família. A despeito da unidade da família enquanto formação social integradora e una, não se pode deixar de reconhecer que, no seio da família, convergem interesses muitas vezes antagônicos. Por exemplo, às vezes, os interesses imediatos dos filtros contrapõem-se à missão educadora dos pais, ou, então, os interesses do marido, em determinadas circunstâncias, não são os mesmos da mulher. Embora todos os interesses sejam familiares, no tensionamento, há de preponderar o interesse que melhor atenda à função educadora e realizadora dos membros da família.
            Nesse passo, é crucial verificarmos quais os princípios que a Constituição Federal brasileira reservou ao Direito de Família e que são utilizados para o balanceamento em eventual oposição de interesses familiares. Pode-se mencionar um variado rol de princípios, pois não há exata uniformidade na doutrina em sua enumeração. No entanto, focamos os que exsurgem do vigente ordenamento jurídico-constitucional preenchendo a finalidade da família, desprezando-se os princípios extraídos da norma infraconstitucional civil[5].

2.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

            Na contemporaneidade, a dignidade da pessoa humana funciona como a ideia central do projeto de direito. É princípio constitucional que estabelecer uma das bases fundantes do Estado Democrático de Direito e resulta do prestígio axiológico dos direitos humanos tomados como paradigma na nova ordem constitucional.
            O princípio da dignidade da pessoa humana irradia seus efeitos para exigir comportamento proativo ou omissivo do estado e também nas relações horizontais entre os próprios indivíduos. Assim, por exemplo, o Estado tem o dever constitucional de não intervir na comunhão de vida privadas dos cônjuges, nenhum programa de empresa ou associação tem o direito de interferir no planejamento familiar.
            Com a eleição da dignidade da pessoa humana como núcleo da cesta de direitos humanos da Carta Constitucional, houve uma opção expressa pela pessoa, provocando uma despatrimonialização dos institutos jurídicos de Direito de Família. Passou a haver uma personalização desses institutos na medida em que os direitos humanos servem de referência para a interpretação dos temas familiares (DIAS, 2009, p. 62).
           Em respeito à dignidade da pessoa humana, a Constituição Federal de 1988 emprestou relevo jurídico a situações de fato para as quais a lei anterior virava as costas, como a união estável. Ainda, por construção de princípios constitucionais, pode-se advogar o reconhecimento de uniões homoafetivas[6]. Também em obediência àquele princípio, a nova ordem constitucional aboliu a distinção entre filhos que o Direito Civil anterior chamava de legítimos, contrapondo-os aos ilegítimos, bem como trouxe a igualdade jurídica entre marido e mulher, e exigiu obediência à dignidade da criança e do adolescente e dos idosos, entre outras questões de família que mereceram tratamento digno do ser humano.

2.2 PRINCÍPIO DA LIBERDADE

            A Constituição Federal de 1988, no Preâmbulo, coloca a liberdade como um princípio a ser seguido pela sociedade brasileira e, em seu artigo 3º, inciso I, cita como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre.
            A liberdade é direito fundamental no exercício da cidadania e ponto central para a interpretação de normas no direito contemporâneo. O cidadão que goza de liberdade vai em busca de sua realização de vida feliz.
            No Direito de Família, a liberdade reside na oportunidade que a Constituição Federal reconhece de a pessoa ser livre para escolher a opção sexual, como também a liberdade de estabelecer relações de vida íntima com outra pessoa, seja de acordo com as formalidades legais do casamento, seja na condição de união estável ou, mesmo, de união homoafetiva. Igualmente, a situação jurídica da mulher no novo modelo jurídico de família é um exemplo do respeito ao princípio constitucional da liberdade, bem como o reconhecimento da liberdade para a criança e o adolescente.
            As relações familiares e a disciplina que elas exprimem não podem furtar-se à necessidade de um juízo de valor constitucional, em uma confrontação de direitos. O Estado tem o dever de promover a função serviente da família. Para tanto, lança de mão de programas, ou mesmo de normas, que interferem na vida interna da família. Mas a ingerência não pode cercear a liberdade que deve haver na unidade familiar e em seus membros. A liberdade representa um limite, a não ser que um outro valor d maior prestígio constitucional mereça ser tutelado.
            Assim, por exemplo, o poder familiar é privativo dos pais; no entanto, se o pai e a mãe tiveram comportamento nefasto a ponto de macularem o dever de educadores dos filhos, o Estado interfere e suspende ou, até mesmo, retira o poder familiar dos progenitores por estar sendo exercido prejudicialmente à dignidade dos filhos menores.
            A dimensão da liberdade é plena no âmbito da família. Os membros familiares entre si – marido e mulher, pais e filhos, filhos entre si – devem manter relações que deem espaço de atuação, com liberdade de opções e comportamentos, fazendo com que seja respeitando o valor da pessoa. A comunidade familiar, como qualquer outra formação social, deve inspirar-se na democracia: participação com igual título na condição da vida familiar (PERLINGIERI, 2008, p. 976).

2.3 PRINCÍPIO DA IGUALDADE

            O princípio da igualdade está intimamente ligado ao da liberdade, na medida em que, havendo igualdade, não há dominação e sujeição (não liberdade) (DIAS, 2009, p. 63). Ao lado da liberdade, a igualdade é o pilar do Estado Democrático de Direito, entre outros princípios jurídicos basilares que promovem a construção social da democracia no Estado de Direito.
            A realidade social é marcada pela desigualdade, pela diferença e pela pluralidade. Incumbe ao princípio da igualdade transformar a igualdade formal previsto em lei em igualdade material, a fim de realizar a justiça entre os membros da sociedade.
            Formalmente, o princípio da igualdade está cristalizado no artigo 5º da Constituição Federal segundo o qual “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. O mesmo artigo reforça a igualdade formal em seu inciso I, ao rezar que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”. E, para que não reste dúvida, ao tratar sobre o Direito de Família, o Texto Constitucional reafirma que “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos Igualmente pelo homem e pela mulher” (art. 226, § 5º).
            No âmbito do Direito de Família, justifica-se a igualdade pelos sentimentos de solidariedade e de afeto que devem presidir as relações entre os membros familiares, por formarem uma comunidade de entreajuda e amor. Reflexivamente, a igualdade aponta para o repúdio à discriminação, à exclusão e à dominação. Se há colaboração e reciprocidade de interesses entre as pessoas da família, as relações entre elas são de inclusão, de não discriminação, de igualdade, enfim.
            Alguns membros da família que, no passado, tinham tratamento jurídico desigual e adverso, com os novos tempos constitucionais, passaram a ter igualdade de relação.
            A condição jurídica da mulher, no passado, de não livre, apeada à condição masculino, encobria a situação de sujeição ao homem, seja marido, seja pai. Com a emancipação feminina, a mulher deu seu grito de liberdade, e a sociedade exigiu que a lei reconhecesse igualdade jurídica ao homem.
            Mas a igualdade feminina é a específica para a sua condição de mulher; não é igualdade de direitos idêntica à dos homens, porquanto a mãe natureza estabeleceu a diferença de gêneros, guardando para a mulher situações que só nela podem resplandecer.
            Assim, por exemplo, só a mulher tem direito à licença maternidade, apenas à mãe é reservado o direito à amamentação com redução de jornada de trabalho. No Direito Penal, a pena cominada ao infanticídio, praticado pela mulher sob a influência do estado puerperal, matando o próprio filho recém-nascido ou durante o parto, é menor do que a pena imputada para o crime de homicídio em geral.
            Também a partir de 1988, a Constituição Federal dispensou tratamento isonômico aos filhos. A hedionda discriminação entre filhos, os havidos do casamento, porque de Justas núpcias e por isso chamadas legítimos, e os filhos de for a do casamento, chamadas ilegítimos, caiu por terra; seja de que relacionamento for, até mesmo incestuoso, os filhos tem juridicamente igualdade de direitos. O Texto Maior exige que a família, a sociedade e o Estado salvaguardem a criança e o adolescente, de toda e qualquer forma de discriminação.
            O magno princípio da igualdade alberga em seu seio a construção da liberdade. Se, efetivamente, as pessoas são livres em um mundo em que a ordem jurídica ampara suas ações e seus projetos de vida lícitos, e se, de fato, todos são iguais perante a lei e o homem e a mulher tem os mesmos direitos, por que, então, não haveria a chancela constitucional sobre a união de pessoas do mesmo sexo – a união homoafetiva? Quais impedimentos constitucionais que há para o direito não reconhecer essa união de pessoas que optam por conviver e dividir suas alegrias e tristezas com a outra do mesmo sexo?
             À luz da ética, o Direito não pode tratar desigualmente os seres iguais; não há justificativa moralmente plausível para discriminar o ser humano devido a sua opção sexual.
            A união homoafetiva é relacionamento humano marcada pelo vínculo do afeto, nele plenamente caracterizado o affectio maritalis, por isso nem sequer se pode falar em respeito à diferença, pois diferente não é, uma vez que o elo entre os pares é o mesmo que existe nas uniões heterossexuais – o amor. Afinal, os iguais devem ter tratamento igual na medida em que se igualam. Daí, então, a união homoafetiva ser amparada constitucionalmente.

2.4 PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE FAMILIAR

            O princípio da solidariedade introduz um sentido social e finalístico no Direito de Família. A solidariedade pode ser realizado perfeitamente por meio da autonomia individual, complementando-a e organizando-a, para que, na realidade, sejam cumpridas certos propósitos sociais (TRAZEGNIES GRANDA, 1993, p. 63-64).
            A solidariedade é elemento essencial nas relações entre os membros da família e deita suas bases nos vínculos afetivos. A Constituição Federal, em seu Preâmbulo, erige o Estado Democrático de Direito destinado à realização da justiça em valor supremo de uma sociedade fraternal e prega que um dos objetivos do Estado brasileiro é construir uma sociedade solidária (art. 3º. Inciso I).
            Nesse sentido, a solidariedade é tomada como um dos pressupostos constitucionais e, como princípio, pode ser verificada em vários momentos da Carta Constitucional: no artigo 229, imputa-se aos pais o dever de assistir os filhos menores, enquanto os filhos maiores tem o dever de ajudar e de amparar os pais na velhice, carência e enfermidade; também nesse dispositivo está clausulada a obrigação alimentar entre pais e filhos, reciprocamente; o artigo 230 comete à família, à sociedade e ao Estado o dever de amparar as pessoas idosas.
      Quando o Texto Magno trata de solidariedade em matéria de Direito de Família, exige-a em primeiro lugar da família, depois é que o legislador constitucional vem requisitá-la de instituições sociais (DIAS, 2009, p. 66). Isso porque a família, por ser o núcleo afetuoso da comunidade humana, é a primeiro instância de que se socorre a pessoa necessitada para buscar auxílio. A solidariedade familiar exige que cada cônjuge contribua proporcionalmente à sua capacidade econômica para o sustento do grupo, devendo até mesmo o filho contribuir, se tiver condições econômicas. Também, em relações jurídicas obrigacionais, a solidariedade é legalmente solicitada se um dos membros da família contrair dívida no interesse da família, caso em que, indistintamente, todos os que tenham capacidade de contribuir para solver a obrigação tem o dever de prestar solidariedade.
            A solidariedade é tempero entre os deveres matrimoniais dos cônjuges, em qualquer modelo de família, seja originada do casamento ou não. Após o rompimento da sociedade conjugal, ou mesmo do vínculo, com o divórcio, o dever de solidariedade não sendo direito de nenhum membro familiar deixar de colaborar injustamente.
            A solidariedade é verificada entre harmonização das exigências pessoais, na qual os interesses individuais de cada um estão m relação de reciprocidade com os interesses dos outros familiares, situação indispensável para que o espaço familiar seja ambiente de vida em comum, de compreensão e de afeto, garantindo a unidade da família.

2.5 PRINCÍPIO DO PLURALISMO DAS ENTIDADES FAMILIARES

            Antes da Constituição Federal de 1988, somente a família proveniente do casamento era legítima e reconhecidas em lei, e merecedora de proteção jurídica, pois era originada das Justas núpcias.
            A partir de 1988, a Constituição Federal reconheceu uma pluralidade de modelos de família merecedores de tutela. Houve maior flexibilidade na definição de entidade familiar. Devido ao respeito aos princípios da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da igualdade, o legislador constitucional considerou família juridicamente digna de proteção a constituída pelo casamento e outras formas de família.
            O Texto magno abraçou no conceito de família a formada com o casamento. Mas não apenas, pois considerou entidade familiar a constituída pela união estável entre o homem e a mulher livres, sem impedimento para casar, adicionando que a lei deve promover a facilitação da conversão em casamento (Constituição Federal, art. 226, § 3º).
           Não bastasse isso, ainda em respeito à dignidade da pessoa humana, a Carta Constitucional reconheceu como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (Constituição Federal, art. 226, § 4º).
            A Constituição Federal nada dispôs sobre a possibilidade de juridicização da entidade familiar constituída pela união homoafetiva. Entretanto, sob o amparo da não discriminação e sob a perspectiva constitucional de inclusão, considera-se entidade familiar aquela formada pela união de pessoas de mesmo sexo. Assim, a família homoafetiva passa a gerar efeitos jurídicos em situações específicas.
            É indubitável, portanto, que o ordenamento jurídico-constitucional assegura proteção a diversas uniões de pessoas, evidenciando que o dado unificador é a comunhão espiritual e material.

2.6 PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL ÀS CRIANÇAS, ADOLESCENTES E IDOSOS

            Crianças e adolescentes tem na Constituição Federal a tutela integral (art. 227). O Texto Magno baniu o tratamento discriminatório dado aos filhos havidos extramatrimonialmente (art. 227, § 6º). Os direitos constitucionais previstos são à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além da proteção contra toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
            Observa-se que a Constituição Federal não economizou palavras para caracterizar situações em que a criança e o adolescente, de algumas forma, poderiam estar vulneráveis, e contra as quais os protegem amplamente.
            Na verdade, a Constituição quer garantir o future geracional para dar ao país o desenvolvimento humano e socioeconômico indispensável a um projeto de vida melhor.
            Quanto ao idoso, a Carta Constitucional tutela sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade, seu bem-estar, garantindo-lhe o direito à vida, imputando tal responsabilidade inicialmente à família e, depois, à sociedade e ao Estado (Constituição Federal, art. 230).
           Atribui o Texto Constitucional aos filhos maiores o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência e enfermidade (Constituição Federal, art. 229). Assim, a dignidade do idoso está assegurada constitucionalmente, indo buscar reforça no princípio da solidariedade.
Os direitos do idoso, da criança e do adolescente, nos moldes expostos, constituem direitos fundamentais.

2.7 PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE

O Direito pós-moderno vai buscar na solidariedade seu conteúdo ético. A solidariedade princípio, faz-se presente no Direito de Família. Um contorno dessa diretriz é o afeto, o amor.
O Texto Magno, ao constitucionalizar a família, tornou pleno o conceito de que a família na nova sociedade brasileira é mantida pelo elo da afetividade. O afeto, o amor deve estar presente no casamento, na união estável, na família monoparental e na união homossexual – alias, tal união, como tem por fundamento e razão o afeto, passou a ser chamada união homoafetiva.
O modelo constitucional de família é eudemonista[7] e igualitário, mantida pelo afeto e pela realização pessoal (DIAS, 2009, p. 69). A família eudemonista busca a felicidade individual a partir do processo de realização pessoal de seus membros (DIAS, 2009, p. 54). A família é identificada pela arte de vida comum, de viver com afeto, solidariedade, igualdade, liberdade e responsabilidade recíproca (DIAS, 2009, p. 55).

3. CONCLUSÃO

            É inconteste que a dignidade da pessoa humana é a razão e o fundamento das relações jurídicas na sociedade. Contudo, tal referencial torna-se especialmente aguçado e sintomático nas relações de Direito de Família.
            O núcleo familiar assume relevância na sociedade porque diz respeito imediatamente a direitos fundamentais. A família é formação social importantíssima, mas a pessoa humana – os membros familiares – é a base de Constituição da família. O foco dos direitos fundamentais está no indivíduo: no homem, na mulher e na prole.
            Os moldes de entidades familiares foram consagrados na Constituição Federal em respeito aos direitos fundamentais. A condição de pessoa humana e sua dignidade impuseram ao constituinte reconhecer juridicamente as formas de união entre os brasileiros, independentemente do sexo. A condição pessoal de cada membro familiar, como síntese dos direitos e deveres do homem, complete-se na assunção de um papel no seio familiar.
Levam-se em consideração os direitos fundamentais na família tendo como referência os direitos do homem enquanto tal, diferentemente da perspectiva dos direitos fundamentais, cuja referência é um homem enquanto cidadão. No Direito de Família, enfoca-se a comunidade familiar e a inserção da pessoa nela, já nas relações jurídicas perante a sociedade em geral, mira-se o indivíduo como o centro de poder da cidadania.
A família tem um caráter funcional preponderante: é o meio mais salutar da sociedade para o desenvolvimento da pessoa e a busca da felicidade. As relações de colaboração e de reciprocidade de interesses levam ao unitarismo de responsabilidade dos membros da coletividade familiar, tendo por esteio a solidariedade.
Enfim, o Direito de Família encontrou na Constituição Federal o refúgio do garantismo de um promissor desenvolvimento humano para as gerações presentes e futuras.

REFERÊNCIAS:

ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios |Políticos y Constitucionales, 2002.

_______, Três escritos sobre los derechos fundamentales y la teoria de los princípios. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2003.

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5ª ed., rev., atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. P. 608.

PERLINGIERI, Prietro. O direito civil na legalidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 1216.

QUEIROZ, Cristina M. M. Direitos fundamentais: teoria geral. Coimbra: Coimbra, 2002.

 TRAZEGNIES GRANDA, Fernando de. Postmodernidad e derecho. Bogotá: Temis, 1993, (monografias jurídicas, p. 86).




[1] Graduanda do Curso de Direito.
[2] Pós Graduado em Psicopedagogia pela Universidade Ítalo Brasileiro - UniÍtalo; Graduado em Letras pela Universidade Federal de São Carlos - UFSCar; Graduado em Pedagogia Administração Escolar pela Universidade Luterana do Brasil – ULBRA e Graduando do Curso de Direito.
[3] Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Universidade Metropolitana de Santos – Unimes; Especialista em Direito Ambiental pelo Centro de Pesquisas e Pós Graduação das Faculdades Metropolitanas Unidas – UniFMU; Graduada em Direito pela Faculdades Metropolitanas Unidas – UniFMU e Conselheira da Comissão de Meio Ambiente da Ordem dos Advogados do Brasil – SP.
[4] O Código Civil brasileiro, no artigo 1.513, proíbe a interferência de qualquer pessoa, de direito público ou de direito privado, na comunhão de vida instituída pela família.
[5] Para os princípios constitucionais, tomaremos como referência doutrinária os princípios construídos por Maria Berenice Dias em sua obra magistral sobre Direito de Família (DIAS, 2009, p. 56 et seq.).
[6] O Plenário do Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4277 e na Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 132, em decisão inédita e plena de conteúdo normativo, por unanimidade, reconheceu a validade jurídica do relacionamento homoafetiva, emprestando-lhe afeito vinculante.
[7] O termo “eudemonista”, de origem grega, significa que o fundamento da conduta humana moral é a felicidade individual ou coletiva.

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