Júnior já não era mais o mesmo.
Chegava em casa tarde, depois de mais um estafante dia no escritório.
Cris lia um livro no quarto.
Ele já não a via como antes, mal se
falavam. No trabalho, as colegas despertavam nele interesses nunca
experimentado. E Cris lia um livro no quarto, envolvida pelo perfume
de rosas que podia ser sentido por qualquer pessoa que passasse pela
janela, sempre aberta.
No café, os olhos de Júnior
acompanhavam o andar elegante das ninfetas que desfilavam pesados
casacos de pele, vã proteção contra o rigoroso inverno daquele
ano. E Cris lia um livro no quarto, envolvida pelo perfume de rosas
que pairava no ar.
Júnior notou também que até a
vizinhança parecia diferente, principalmente depois que se mudara,
para o sobrado da rua, há duas semanas, aquela loura que viera
estudar medicina numa famosa Universidade da cidade. E Cris lia um
livro no quarto, ainda envolvida pelo perfume de rosas.
Enfim, após anos de convivência,
Júnior admitiu que aquela decisão parecia inevitável. Ao
anoitecer, ele chegou em casa, foi ao quarto e, numa mala velha,
colocou a calça jeans
preferida, algumas camisas e a velha jaqueta de couro. Fitando
languidamente o livro aninhado no colo de Cris, saiu, deixando para
trás uma história. Júnior estava virando mais uma página.
No dia seguinte, a policia entrou no
quarto e encontrou Cris petrificada pela ação do tempo. Ela estava
sentada na cama, com um exemplar do livro Dom Casmurro no colo; o
forte odor do perfume de rosas espalhava-se por toda a casa. Ela
jazia ali há dois anos.
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