segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Amores Mórbidos

Júnior já não era mais o mesmo. Chegava em casa tarde, depois de mais um estafante dia no escritório. Cris lia um livro no quarto.
Ele já não a via como antes, mal se falavam. No trabalho, as colegas despertavam nele interesses nunca experimentado. E Cris lia um livro no quarto, envolvida pelo perfume de rosas que podia ser sentido por qualquer pessoa que passasse pela janela, sempre aberta.
No café, os olhos de Júnior acompanhavam o andar elegante das ninfetas que desfilavam pesados casacos de pele, vã proteção contra o rigoroso inverno daquele ano. E Cris lia um livro no quarto, envolvida pelo perfume de rosas que pairava no ar.
Júnior notou também que até a vizinhança parecia diferente, principalmente depois que se mudara, para o sobrado da rua, há duas semanas, aquela loura que viera estudar medicina numa famosa Universidade da cidade. E Cris lia um livro no quarto, ainda envolvida pelo perfume de rosas.
Enfim, após anos de convivência, Júnior admitiu que aquela decisão parecia inevitável. Ao anoitecer, ele chegou em casa, foi ao quarto e, numa mala velha, colocou a calça jeans preferida, algumas camisas e a velha jaqueta de couro. Fitando languidamente o livro aninhado no colo de Cris, saiu, deixando para trás uma história. Júnior estava virando mais uma página.
No dia seguinte, a policia entrou no quarto e encontrou Cris petrificada pela ação do tempo. Ela estava sentada na cama, com um exemplar do livro Dom Casmurro no colo; o forte odor do perfume de rosas espalhava-se por toda a casa. Ela jazia ali há dois anos.

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