Exclusão social é
um tema da atualidade, utilizado nas mais variadas áreas do conhecimento, mas
com sentido nem sempre muito preciso ou definido. Primeiro de uma série de
artigos, nosso intuito é oferecer uma visão esclarecedora a respeito.
Pode
designar desigualdade social, miséria, injustiça, exploração social e
econômica, marginalização social, entre outras significações. De modo amplo,
exclusão social pode ser encarada como um processo sócio-histórico
caracterizado pelo recalcamento de grupos sociais ou pessoas, em todas as
instâncias da vida social, com profundo impacto na pessoa humana, em sua
individualidade.
Tecnicamente
falando, pessoas ou grupos sociais sempre são, de uma maneira ou outra,
excluídos de ambientes, situações ou instâncias. Exclusão é "estar
fora", à margem, sem possibilidade de participação, seja na vida social
como um todo, seja em algum de seus aspectos.
Outro conceito de
exclusão social aplicável à realidade de uma sociedade capitalista é que
"excluídas são todas as que não participam dos mercados de bens materiais
ou culturais" (Martine Xiberas).
Em termos
dialéticos, é um processo complexo e multifacetado (polissêmico), dotado de
contornos materiais, políticos, relacionais e subjetivos.
Não é uma falha, uma característica do
processo capitalista, ou de outro regime político-ideológico: a exclusão é
parte integrante do sistema social, produto de seu funcionamento; assim, sempre
haverá, mesmo teoricamente, pessoas ou grupos sofrendo do processo de exclusão.
Instâncias
(ou ambientes) de exclusão social
No nível da
macro-política global: países periféricos: América Latina, África e parte do
continente asiático - são considerados excluídos da ordem econômica mundial
(leia-se globalização), em relação aos países centrais (Estados Unidos da
América, países da União européia e outros países economicamente
desenvolvidos).
O maior exemplo disso é a
hegemonia dos Estados Unidos, neste início de século, cujas lideranças
políticas, arrogantes, simplórias e retrógradas submetem o restante do planeta
(especialmente, agora, a América Latina - com ênfase no Brasil, Argentina e
Uruguai) a situações de humilhação política em função de seu imenso poderio
econômico e militar.
Excluídos no nível de grupos sociais:
- minorias
étnicas (indígenas, negros);
- minorias
religiosas;
- minorias
culturais.
Excluídos de gênero:
mulheres e crianças.
Excluídos em termos de opção sexual:
homossexuais e bissexuais.
Excluídos por idade:
crianças e idosos.
Excluídos por aparência física:
obesos, deficientes físicos, pessoas calvas, pessoas mulatas ou pardas,
portadores de deformidades físicas, pessoas mutiladas.
Excluídos do universo do trabalho:
desempregados e subempregados, pessoas pobres em geral.
Excluídos do universo sócio-cultural:
pessoas pobres em geral, habitantes de periferia dos grandes centros urbanos.
Excluídos do universo da educação:
os pobres em geral, os sem escola, as vítimas da repetência, da desistência
escolar, da falta de escola junto a seus lares; deficientes físicos, sensoriais
e mentais.
Excluídos do universo da saúde:
pobres em geral, doentes crônicos e deficientes físicos, sensoriais e mentais.
Excluídos do universo social como um todo:
os portadores de deficiências físicas, sensoriais e mentais, os pobres, os
desempregados.
As categorias acima
são interpenetrantes. Na tentativa de ordenação das mesmas, fica clara a
presença de grupos de pessoas participando simultaneamente de várias categorias
de exclusão: de modo geral, a exclusão social bate mais forte no pobre,
poupando aqueles que dispõem de melhor condição econômica.
Na sociedade capitalista, por paradoxo, os
excluídos não participam do sistema, mas sustentam a ordem econômica e social.
No Brasil escravista, o sistema excluía o
escravo da ordem social, mas a sociedade era sustentada, grandemente, pelo
trabalho escravo. Com a abolição súbita da escravidão, houve dois choques:
- um,
do lado da produção, dada a fuga de mão-de-obra, agora liberta, de seus
locais originais de trabalho (mão de obra essa substituída, agora de modo
intensificado, por imigrantes europeus);
- outro,
do lado dos ex-cativos, relativo à penúria com que os libertos tiveram que
encarar sua nova condição, sem nenhum preparo para assumir um papel digno
no ambiente social.
A ONU calcula a
existência, no mundo, nos dias de hoje, de 25 milhões de pessoas submetidas a
trabalho escravo ou semi-escravo, sendo a maioria composta de crianças e
mulheres (em contraste com o tráfico de 12 milhões de escravos negros durante
os trezentos anos de regime escravista no Brasil). São crianças tecelãs de
tapete no Paquistão, jovens cultivadores de cacau em fazendas da Costa do
Marfim, crianças que trabalham em carvoarias no interior do Brasil, mulheres e
crianças negociadas como gado para servir a redes internacionais de
prostituição.
Dessa estatística
não escapam outros exemplos muito próximos de todos nós: os meninos de rua que
vendem qualquer coisa, nos semáforos dos cruzamentos das cidades brasileiras e
as crianças que servem de mensageiros do tráfico de drogas, efetuando a entrega
de "encomendas".
Exclusão social e o paradoxo brasileiro
No Brasil, a
situação de exclusão social - em quaisquer de suas instâncias, ou em todas -
vem se agravando em termos de quantidade (é cada vez maior o número de
desvalidos) e em intensidade (é cada vez maior o número de pessoas vivendo
abaixo da linha da miséria).
A rendição, por
parte das elites governantes brasileiras e sua política econômica às teses do
neo-liberalismo, como passaporte único para integrar a nova ordem mundial
globalizada, intensificou a concentração de renda de tal sorte que somos
vistos, mundialmente, como um país gerador de riquezas imensas, ao mesmo tempo
em que figuramos nos últimos lugares, nas estatísticas sérias sobre qualidade
de vida da população.
Somos, na escala
econômica mundial, o 10° PIB (1), enquanto nosso IDH (Índice de Desenvolvimento
Humano), referencial para qualidade de vida da população de um país, é o 72°
(2) . Esse contraste, em termos de riqueza material e qualidade de vida do
povo, embute uma altíssima taxa de concentração de riqueza nas mãos de poucos e
evidencia a frieza e insensibilidade de nossas elites políticas, num quadro em
que a violência, razão direta da miséria e desigualdade, batem recordes em todo
o país.
Outro fato
relevante é o aumento da carga tributária, passando de 28,5% do PIB em 1995
para os atuais 37% dos dias de hoje (3), gravando violentamente os salários (que são os maiores responsáveis
pela arrecadação de Imposto de Renda no país, já descontado na fonte pagadora).
Esses dados, oficiais, são denunciados, hoje, não por ativistas de esquerda,
mas pelo Economista Delfim Netto, e Deputado Federal sabidamente ligado a
grupos conservadores e ex-Ministro da Fazenda da ditadura militar.
E você, professor
da escola pública - quanto teve de aumento de salário nesse período?
Podemos afirmar,
sem orgulho, que o Brasil e seus últimos governantes têm cultivado vergonhosamente
a exclusão social, privilegiando, a qualquer custo, os ganhos
político-eleitoreiros da "estabilidade da moeda" , alimentada com a
carne e o sangue do povo brasileiro. A violência, a miséria, o desemprego -
todos sinônimos de um mesmo problema - aí estão aí - batendo em nossas portas -
para confirmar essa triste realidade.
Neste momento,
trabalha-se intensamente no Congresso nacional para completar o quadro da
exclusão de trabalhadores brasileiros do elenco de benefícios trabalhistas
conquistados duramente durante quase cinqüenta anos de história: a
"reforma" do sistema previdenciário trará, não apenas aumento da
carga tributária (com a taxação de 11% dos proventos dos servidores públicos,
ativos e inativos) como a ampliação do limite de idade para usufruir da
aposentadoria, assim como a redução drástica de seus valores.
Aqui cabe a
pergunta: em termos atuariais (ou seja, fazendo os cálculos estatístico e
financeiro) aonde foram parar os rendimentos de todo o dinheiro arrecadado pela
Previdência Social (em seus vários Institutos, hoje extintos) desde que a mesma
foi criada, na década de 40, ou seja, quase sessenta anos atrás? Onde foi
aplicado esse dinheiro? Por que ralo escorreu esse montante de capital que
deveria, hoje, estar sustentando o pagamento de aposentadorias e pensões, como
acontece na maioria dos países que possuem sistemas semelhantes?
O que se sabe
dizer, em alto e bom som, é que "a previdência, do jeito que está, vai
quebrar o país", se não for feita uma reforma "coerente" que dê
fim aos "privilégios".
E cabem aqui outras
perguntas: Quantos são os "privilegiados" que ganham, efetivamente,
fortunas escandalosas como aposentados? Algumas centenas ou milhares? Ou seja -
uma gota d'água num oceano de salários e proventos baixos e desatualizados?
Serão eles que inviabilizam o serviço previdenciário?
Anos atrás, um
empresário brasileiro de grande porte e de vocação bastante conservadora (o Sr.
Antonio Ermírio de Morais) declarou, em entrevista a um jornal, que a crise
brasileira não era econômica, mas sim uma crise de falta
vergonha na cara. Acreditamos, infelizmente, que o Sr. Antonio Ermírio de Morais continua com a razão.
(1) PIB - Produto Interno Bruto: soma de toda
a riqueza produzida num país, em todos os setores da economia, no período de 1
ano.
(2) Fonte: Economista Luis Nassif, Folha de
S.Paulo, 7.8.2002.
(3) Fonte: estimativa da Receita Federal
(MF), a partir de dados do IBGE - em artigo de Antonio Delfim Netto, Folha de
S.Paulo, 7.8.2002.
Outros
conceitos de exclusão social:
"...uma impossibilidade de poder
partilhar, o que leva à vivência da privação, da recusa, do abandono e da
expulsão, inclusive, com violência, de um conjunto significativo da população -
por isso, uma exclusão social e não pessoal. Não se trata de um processo
individual, embora atinja pessoas, mas de uma lógica que está presente nas
várias formas de relações econômicas, sociais, culturais e políticas da
sociedade brasileira. Esta situação de privação coletiva é que se está entendo
por exclusão social. Ela inclui pobreza, discriminação, subalternidade, não
equidade, não acessibilidade, não representação pública..." (Aldaísa
Sposatti, 1996 - Assistente Social, atual Secretária de Bem Estar Social da
Prefeitura de São Paulo).
"...excluídos são todos aqueles que são
rejeitados de nossos mercados materiais ou simbólicos, de nossos
valores..." (Martine Xiberras, 1993 - Antropóloga e pesquisadora
francesa).
"...um processo (apartação social) pelo
qual denomina-se o outro como um ser "à parte", ou seja, o fenômeno
de separar o outro, não apenas como um desigual, mas como um
"não-semelhante", um ser expulso não somente dos meios de consumo,
dos bens, serviços, etc., mad do gênero humano. É uma forma contundente de
intolerância social..." (Cristóvão Buarque, professor, ex-reitor da
Universidade de Brasília, ex-governador do Distrito Federal e atual Ministro da
Educação).
"... a desafiliação (exclusão) ...
representa uma ruptura de pertencimento, de vínculos societais... /... o
desafiliado (excluído) é aquele cuja trajetória é feita de uma série de
rupturas com relação a estados de equilíbrio anteriores, mais ou menos
estáveis, ou instáveis..." (Robert Castel).
Leia mais sobre exclusão social:
Bourdieu, Pierre - A
Miséria do Mundo - Ed. Vozes, Petrópolis, RJ, 1997.
Buarque, Cristóvão
- A Revolução das Prioridades - Instituto de Estudos Econômicos (INESC), 1993.
Castel, Robert - Les
Pièges de L'exclusion - in: Lien Social e Politique - Riac, 34, École de
Service Social, Université de Montreal, 1995.
Castel, Robert - As
Metamorfoses da Questão Social - Uma Crônica do Salário - Ed. Vozes,
Petrópolis, RJ, 1998.
Covre, Maria de Lurdes
M. (org.) - A Cidadania que Não Temos - Ed. Brasiliense, São Paulo, 1986.
Martins, José de
Souza - A Chegada do Estranho - Ed. Hucitec, São Paulo, 1993.
Martins, José de
Souza - Exclusão Social e a Nova Desigualdade -Ed. Paulus, São Paulo, 1997.
Martins, José de
Souza - A sociedade Vista do Abismo - Novos Estudos sobre Exclusão, Pobreza e
Classes Sociais - Ed. Vozes, Petrópolis, RJ, 2002.
Nascimento, Elimar -
Hipóteses sobre a Nova Exclusão Social, in: Cadernos CHR, n° 21, Salvador, BA,
1994.
Pinheiro, Paulo
Sérgio (et allii) - São Paulo Sem Medo:Um Diagnóstico da Violência Urbana -
Garamond, RJ, 1998.
Santos, Milton - O Espaço
do Cidadão - Ed. Nobel, São Paulo, 1987.
Santos, Boaventura Souza
- Pela mão de Alice - O Social e o Político na Pós-modernidade - Ed. Cortez,
São Paulo, 1996 e Ed. Afrontamento, Porto, Portugal, 1994.
Sassaki, Romeu
Kazumi - Inclusão - WVA Ed., 2002.
Sawaia, Bader Burihan
(org.) - As Artimanhas da Exclusão - Ed. Vozes, Petrópolis, RJ, 2001, 2a. Ed.
Sawaia, Bader Burihan -
Dialética Exclusão/Inclusão - Cabral Ed., São Paulo, SP, 2002, 1a. Ed.
Sodré, Nelson Werneck -
A Farsa do Neoliberalismo - Graphia Editorial, Rio de Janeiro, 1995.
Sposatti, Aldaísa -
Mapa da Exclusão /inclusão na Cidade de São Paulo, EDUC, São Paulo, 1996.
Xiberras, Martine - Les Théories de
L'exclusion - Paris, Meridiens-Klincksieck, 1993.
O NOSSO PAÍS SOMENTE CRESCERÁ QUANDO FOR EXCLUÍDO NÃO AS PESSOAS, RAÇAS COR,ETNIAS, E SIM AS RAPOSINHAS.
ResponderExcluirTEM MUITO O QUE FAZER , ACHO QUE VAI DEMORAR MAS COM LUTA CHEGAREMOS LÁ NÃO PODE PARAR.
ResponderExcluirChegaremos lá!!! Há muito o que fazer!!!
ResponderExcluirPouco a pouco está deixando de existir pessoas racistas
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