Rogério
Fernandes -
Colaborador
Carina Mello -
Orientadora
RESUMO:
A família no direito contemporâneo tem por fundamento a dignidade da pessoa
humana. A partir desse paradigma, o espaço jurídico contempla todos os moldes
familiares praticado na sociedade, respeitando-se a dignidade e a liberdade
entre os membros. A solidariedade é elemento traduzido no afeto e serve de
sustentáculo para a corrente relacional familiar, visando a buscar o
desenvolvimento e a felicidade do ser humano.
Palavras-chave:
Direito de Família. Direito Fundamental. Dignidade da Pessoa Humana.
Desenvolvimento e Felicidade do Ser Humano.
ABSTRACT:
The Family in Contemporary law is founded on the dignity of the human person.
From this paradigm, the legal space contemplates all family molds practiced in
society, respecting the dignity and freedom among the members. Solidarity
element is translated into affection and underpins for family relational chain,
aimed at fostering the development and happiness of human beings.
Keywords:
Family Law. Fundamental right. Dignity of the human person. Development and
human happiness.
SUMÁRIO: Introdução;
1. A família sob a perspectiva constitucional; 2. Princípios constitucionais do
direito de família; 2.1 Princípio da dignidade da pessoa humana; 2.2 Princípio
da Liberdade; 2.3 Princípio da igualdade; 2.4 Princípio da solidariedade
familiar; 2.5 Princípio do pluralismo das entidades familiares; 2.6 Princípio
da proteção integral às crianças, adolescentes e idosos; 2.7 Princípio da
afetividade; 3. Conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO
A família somente pôde ser organizada como formação
social quando o homem passou do estado da natureza para o estado de cultura.
A família, célula nuclear do convívio social humano, é
tida como a base da sociedade, motive pelo qual as Constituições contemporâneas
emprestam especial atenção a esse conjunto de relações jurídicas.
Tradicionalmente, o Direito de Família é visto como
pertencente ao Direito Privado. Entretanto, graças às exigências da
pós-modernidade, em que se insuflam constitucionalmente princípios
contemporâneos, o Estado tem voltado os olhos para as relações familiares, até
porque alguns temas, como criança e adolescente, idoso, condição da mulher,
planejamento familiar, inseminação artificial, entre outros, dizem respeito à
implementação de políticas públicas. A matéria deixou de ser preocupação de uma
área específica do Direito e tomou proporção multifacetária. Por isso, passou a
ser discutida multidisciplinarmente, entre vários saberes e sob vários enfoques.
O poder estatal deve ter cuidado de proteger e regular tais questões e
instituir programas, sem sufocar ou engessar as relações de Direito de Família.
Neste quadro,
as regras de Direito de Família não se sujeitam exclusivamente à vontade das
partes, antes, algumas delas são até mesmo inderrogáveis, insubmissas à vontade
individual, sendo imposta às partes, o que justifica serem chamadas de normas
de interesse e de ordem pública: normas que atendem aos direitos fundamentais
de cada membro da família, mas sob a perspectiva da sociedade.
Mas tal natureza não afasta a concepção de relações
privadas, de cunho íntimo entre os membros familiares, que as normas de Direito
de Família encerram, uma vez que dizem respeito à convivência entre pessoas
baseada na consanguinidade, na afetividade ou na afinidade, tendo como
sustentáculo a affection. A família,
como sociedade natural, é o locus
onde se desenvolve a pessoa com o fim de realização humana.
Embora o Direito de Família congregue normas de ordem
pública, de caráter supraindividual, a família não é titular de interesse
apartado de seus membros, superior ao livre desenvolvimento de cada familiar,
pois o interesse individual é pensado em comunhão com o do outro, sendo o
interesse de um, em diferentes medidas, o interesse dos outros (PERLINGIERI,
2008, p. 974-975).
A grande vantagem do tratamento constitucional dado ao
Direito de Família no Brasil foi o reconhecimento de práticas sociais antes
desconhecidas pela oficialidade das leis civis. A família legalmente
reconhecida deixou de ser apenas e exclusivamente a formada pelo matrimônio. A
Constituição Federal de 1988 conferiu efeitos jurídicos aos vínculos de
afetividades entre pessoas de sexos opostos que convivem sob o mesmo teto sem
serem casadas, bem como também reconheceu como entidade familiar a formada por
apenas um dos progenitores e seus filhos, chamada família monoparental. Mas deixou
ao sabor da jurisprudência a questão da juridicidade das uniões homossexuais.
O ambiente que prevalece hoje no Direito de Família é
o da democratização de suas relações, nas quais o homem e a mulher tem os
mesmos direitos e deveres, e até os filhos podem reivindicar situações jurídicas
antes inacessíveis devendo à hierarquização existente.
Exige-se a construção de uma nova cultura jurídica
para compreender o redimensionamento que a família passou a ter a
contemporaneidade, com a ressignificação do conceito de núcleo familiar,
gerando a proteção de entidades familiares não reconhecidas pela lei
anteriormente, mas sem esquecer que é o afeto o fundamento maior da criação e
manutenção da família.
Como base e núcleo da sociedade, a família foi objeto
de preocupação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que a considerou
fundamental para a sociedade, merecendo tutela da sociedadee do Estado. Daí,
então, ser justificável perante as normas internacionais que o Estado de
Direito brasileiro constitucionalize o Direito de Família.
Nesse sentido, a proposta de nosso trabalho é o estudo
do Direito de Família, visto como um todo unitário, sem descer ao regramento de
seus institutos civis, sob o enfoque do vigente constitucionalismo brasileiro,
ainda que possamos pecar pela eventual superficialidade que possa ter sido
dispensada ao tema.
1. A FAMÍLIA SOB A
PERSPECTIVA CONSTITUCIONAL
O direito da pós-modernidade elege os direitos humanos
como paradigma de construção, interpretação e aplicação das normas que regulam
a sociedade.
Esses valores essenciais para a
compreensão da vida moderna estão consagrados nas Constituições contemporâneas,
que tem influência indecisíveis nas categorias conceituais e nas decisões judiciais
conducentes à realização da justiça social.
A Constituição Federal brasileira de
1988 trouxe a dignidade da pessoa humana e o pleno exercício da cidadania como
fundamentos de todo o ordenamento jurídico-constitucional na “nova” sociedade
desenhada a partir de uma nova era.
Os ventos constitucionais sopram em
direção ao desenvolvimento humano, pretendendo oferecer qualidade de vida digna
aos indivíduos. Nesse mister, houve uma preocupação com instituições sociais
básicas da convivência humana. A família, como centro de desenvolvimento
formador do indivíduo por excelência, foi objeto de tratamento constitucional
em 88.
O Texto Maior centra a família como
núcleo da formação social do indivíduo. Constitucionalmente, a família tem uma
específica função serviente: o desenvolvimento da personalidade de seus
membros, com respeito à dignidade, e à liberdade individual, à igualdade moral
e jurídica e à solidariedade. Tudo começa com a família e a partir da família.
Assim, a interpretação e os estudos
de Direito de Família encontram nas normas constitucionais o quadro delineador
de toda sua organicidade institucional, extraindo do seio constitucional os
seus princípios norteadores.
A família, vista como o grande salão
central de discussão do Direito de Família, é valor constitucionalmente
garantido nos limites de sua conformação civil-constitucional, tendo como
substrato maior a valorização da dignidade da pessoa humana, independentemente
da moralidade que a família possa assumir. Afinal, a família, de acordo com os
parâmetros constitucionais, tem o fim de educação e promoção daqueles que a ela
pertencem.
A partir da família, deslocam-se
todos os eixos ligados ao Direito de Família: casamento, união estável, relação
homoafetiva, divórcio, relação entre parentes, proteção dos filhos, tutela,
curatela, etc.
O constitucionalismo moderno está
atento a esse feixe de relações, cujo ponto principal está no Direito de
Família, entre as relações privadas. Com a constitucionalização do Direito de Família,
ficou garantida a efetividade de suas normas. O regramento estatal em questões
privatísticas só é possível no espaço do Estado Social – o Estado Providência
-, no qual se objetiva o bem-estar da coletividade. Entretanto, o controle deve
ser tal que não intefira na comunhão de vida e spiritual instituída pela
família.
A proibição de não interferência na
vida familiar dá-se em respeito ao princípio de dignidade da pessoa humana,
constitucionalmente previsto no Texto Magno brasileiro como fundamento da
sociedade e das estruturas de poder politico (Constituição Federal, art, 1º,
inciso III).
A compreensão do Direito de Família
na ordem constitucional exige que se alinhavem os princípios constitucionais
que o regem.
2. PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE FAMÍLIA
As transformações sociais constantes
e a complexidade social projetam-se na formação da vida familiar e muitas vezes
exigem que se opõem. É imperioso que se adote um método de interpretação
adequado e eficaz para as práticas sociais, em respeito aos princípios de
justiça incorporados no Estado Democrático de Direito.
O ordenamento
jurídico-constitucional é formado por normas jurídicas que podem ser princípios
ou regras. “Princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida
possível, dentro das possibilidades jurídicas e possibilidades reais
existentes” (ALEXY, 2002, p. 86). Assim, os princípios são mandamentos de
otimização que se diferenciam das regras pela sua qualidade. É uma distinção
qualitativa (ALEXY, 2002, p. 87). Regras e princípios são espécies do gênero
norma, porque ambos dizem o que “deve ser”.
As regras albergam comandos ou
mandamentos definitivos, dos quais decorre necessariamente uma consequência
jurídica; os princípios, ao contrário, são mandamentos de otimização,
constituindo normas que podem ser cumpridas em diferentes graus e a medida
devida de seu cumprimento depende tanto das possibilidades de fato quanto das
possibilidades jurídicas. O âmbito da possibilidade jurídica é determinado
pelos princípios e pelas regras opostas (ALEXY, 2002, p. 86-87).
As regras contêm determinações no âmbito do fato
juridicamente possível, por serem mandamentos definitivos e sua característica
de aplicação não é a ponderação, típica dos princípios, mas a subsunção
(QUEIROZ, 2002, p. 69, 134).
A par da tese da otimização, a
distinção entre regras e princípios é compreendida melhor ante um conflito de
regras e a colisão de princípios. O conflito de regras é solucionado com a
inclusão da cláusula de exceção ou declaração de invalidade de uma das regras.
Assim, a norma vale ou não vale juridicamente; é o tudo ou nada. Não sendo
possível solucionar o conflito de regras dessa forma, apela-se para o recurso
das máximas de interpretação de lei, tais como “a lei posterior revoga a lei
anterior” e “a lei especial derroga a lei geral” (ALEXY, 2002, p. 88).
Por sua vez, quando se trata de uma
colisão de princípios, não se pode anular nenhum dos princípios colidentes.
Abstratamente, os princípios convivem ao mesmo nível. Mas, diante de um caso
concreto, os princípios podem entrar em situação de tensão. Nesse esquema,
deve-se estabelecer um sistema de prevalência ou primazia de princípio,
utilizando-se, para solução judicial, o modelo da dimensão de pesos, tendo
prevalência ou primazia o princípio de maior peso.
A lei de colisão é representada pela
ponderação dos interesses opostos. Nessa ponderação, importa determinar qual
dos interesses, abstratamente de mesmo valor, possui maior peso para o caso
concreto (ALEXY, 2002, p. 90). O método da colisão consiste em estabelecer as
condições sob as quais um princípio precede ao outro, para o que se chama
relação de procedência condicionada (ALEXY, 2002, p. 92). Consequentemente, não
há princípio absolutos (ALEXY, 2002, p. 105 et seq.).
Os princípios são mandamentos de
otimização referentes às possibilidades jurídicas e fáticas. A submáxima da
proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, o mandamento de ponderação
significa a relativização das possibilidades jurídicas, ou melhor, a proporcionalidade
em sentido estrito faz com que os princípios sejam mandamentos de otimização
das possibilidades jurídicas. Já as submáximas de necessidade e de adequação
significam o caráter dos princípios na condição de mandamentos de otimização
das possibilidades fáticas (o que seja faticamente possível, diante do caso
concreto).
Nesse quadro, os princípios de
Direito de Família clausulados constitucionalmente, no Brasil, incorporam os
valores sociais fundamentais da família. A despeito da unidade da família
enquanto formação social integradora e una, não se pode deixar de reconhecer
que, no seio da família,
convergem interesses muitas vezes antagônicos. Por exemplo, às vezes, os
interesses imediatos dos filtros contrapõem-se à missão educadora dos pais, ou,
então, os interesses do marido, em determinadas circunstâncias, não são os
mesmos da mulher. Embora todos os interesses sejam familiares, no
tensionamento, há de preponderar o interesse que melhor atenda à função
educadora e realizadora dos membros da família.
Nesse passo, é crucial verificarmos
quais os princípios que a Constituição Federal brasileira reservou ao Direito
de Família e que são utilizados para o balanceamento em eventual oposição de
interesses familiares. Pode-se mencionar um variado rol de princípios, pois não
há exata uniformidade na doutrina em sua enumeração. No entanto, focamos os que
exsurgem do vigente ordenamento jurídico-constitucional preenchendo a
finalidade da família, desprezando-se os princípios extraídos da norma
infraconstitucional civil.
2.1 PRINCÍPIO DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Na contemporaneidade, a dignidade da
pessoa humana funciona como a ideia central do projeto de direito. É princípio
constitucional que estabelecer uma das bases fundantes do Estado Democrático de
Direito e resulta do prestígio axiológico dos direitos humanos tomados como
paradigma na nova ordem constitucional.
O princípio da dignidade da pessoa
humana irradia seus efeitos para exigir comportamento proativo ou omissivo do
estado e também nas relações horizontais entre os próprios indivíduos. Assim,
por exemplo, o Estado tem o dever constitucional de não intervir na comunhão de
vida privadas dos cônjuges, nenhum programa de empresa ou associação tem o
direito de interferir no planejamento familiar.
Com a eleição da dignidade da pessoa
humana como núcleo da cesta de direitos humanos da Carta Constitucional, houve
uma opção expressa pela pessoa, provocando uma despatrimonialização dos
institutos jurídicos de Direito de Família. Passou a haver uma personalização
desses institutos na medida em que os direitos humanos servem de referência
para a interpretação dos temas familiares (DIAS, 2009, p. 62).
Em respeito à dignidade da pessoa humana, a
Constituição Federal de 1988 emprestou relevo jurídico a situações de fato para
as quais a lei anterior virava as costas, como a união estável. Ainda, por
construção de princípios constitucionais, pode-se advogar o reconhecimento de
uniões homoafetivas.
Também em obediência àquele princípio, a nova ordem constitucional aboliu a
distinção entre filhos que o Direito Civil anterior chamava de legítimos,
contrapondo-os aos ilegítimos, bem como trouxe a igualdade jurídica entre
marido e mulher, e exigiu obediência à dignidade da criança e do adolescente e
dos idosos, entre outras questões de família que mereceram tratamento digno do
ser humano.
2.2 PRINCÍPIO DA
LIBERDADE
A Constituição Federal de 1988, no
Preâmbulo, coloca a liberdade como um princípio a ser seguido pela sociedade
brasileira e, em seu artigo 3º, inciso I, cita como um dos objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade
livre.
A liberdade é direito fundamental no
exercício da cidadania e ponto central para a interpretação de normas no
direito contemporâneo. O cidadão que goza de liberdade vai em busca de sua
realização de vida feliz.
No Direito de Família, a liberdade
reside na oportunidade que a Constituição Federal reconhece de a pessoa ser
livre para escolher a opção sexual, como também a liberdade de estabelecer
relações de vida íntima com outra pessoa, seja de acordo com as formalidades legais
do casamento, seja na condição de união estável ou, mesmo, de união
homoafetiva. Igualmente, a situação jurídica da mulher no novo modelo jurídico
de família é um exemplo do respeito ao princípio constitucional da liberdade,
bem como o reconhecimento da liberdade para a criança e o adolescente.
As relações familiares e a
disciplina que elas exprimem não podem furtar-se à necessidade de um juízo de
valor constitucional, em uma confrontação de direitos. O Estado tem o dever de
promover a função serviente da família. Para tanto, lança de mão de programas,
ou mesmo de normas, que interferem na vida interna da família. Mas a ingerência
não pode cercear
a liberdade que deve haver na unidade familiar e em seus membros. A liberdade
representa um limite, a não ser que um outro valor d maior prestígio
constitucional mereça ser tutelado.
Assim, por exemplo, o poder familiar
é privativo dos pais; no entanto, se o pai e a mãe tiveram comportamento
nefasto a ponto de macularem o dever de educadores dos filhos, o Estado
interfere e suspende ou, até mesmo, retira o poder familiar dos progenitores
por estar sendo exercido prejudicialmente à dignidade dos filhos menores.
A dimensão da liberdade é plena no
âmbito da família. Os membros familiares entre si – marido e mulher, pais e
filhos, filhos entre si – devem manter relações que deem espaço de atuação, com
liberdade de opções e comportamentos, fazendo com que seja respeitando o valor
da pessoa. A comunidade familiar, como qualquer outra formação social, deve inspirar-se
na democracia: participação com igual título na condição da vida familiar
(PERLINGIERI, 2008, p. 976).
2.3 PRINCÍPIO DA
IGUALDADE
O princípio da igualdade está
intimamente ligado ao da liberdade, na medida em que, havendo igualdade, não há
dominação e sujeição (não liberdade) (DIAS, 2009, p. 63). Ao lado da liberdade,
a igualdade é o pilar do Estado Democrático de Direito, entre outros princípios
jurídicos basilares que promovem a construção social da democracia no Estado
de Direito.
A realidade social é marcada pela
desigualdade, pela diferença e pela pluralidade. Incumbe ao princípio da
igualdade transformar a igualdade formal previsto em lei em igualdade material,
a fim de realizar a justiça entre os membros da sociedade.
Formalmente, o princípio da
igualdade está cristalizado no artigo 5º da Constituição Federal segundo o qual
“todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. O mesmo
artigo reforça a igualdade formal em seu inciso I, ao rezar que “homens e
mulheres são iguais em direitos e obrigações”. E, para que não reste dúvida, ao
tratar sobre o Direito de Família, o Texto Constitucional reafirma que “os
direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos Igualmente
pelo homem e pela mulher” (art. 226, § 5º).
No âmbito do Direito de Família,
justifica-se a igualdade pelos sentimentos de solidariedade e de afeto que
devem presidir as relações entre os membros familiares, por formarem
uma comunidade de entreajuda e amor. Reflexivamente, a igualdade aponta para o
repúdio à discriminação, à exclusão e à dominação. Se há colaboração e
reciprocidade de interesses entre as pessoas da família, as relações entre elas
são de inclusão, de não discriminação, de igualdade, enfim.
Alguns membros da família que, no
passado, tinham tratamento jurídico desigual e adverso, com os novos tempos
constitucionais, passaram a ter igualdade de relação.
A condição jurídica da mulher, no
passado, de não livre, apeada à condição masculino, encobria a situação de
sujeição ao homem, seja marido, seja pai. Com a emancipação feminina, a mulher
deu seu grito de liberdade, e a sociedade exigiu que a lei reconhecesse
igualdade jurídica ao homem.
Mas a igualdade feminina é a
específica para a sua condição de mulher; não é igualdade de direitos idêntica
à dos homens, porquanto a mãe natureza estabeleceu a diferença de gêneros,
guardando para a mulher situações que só nela podem resplandecer.
Assim, por exemplo, só a mulher tem
direito à licença maternidade, apenas à mãe é reservado o direito à amamentação
com redução de jornada de trabalho. No Direito Penal, a pena cominada ao
infanticídio, praticado pela mulher sob a influência do estado puerperal,
matando o próprio filho recém-nascido ou durante o parto, é menor do que a pena
imputada para o crime de homicídio em geral.
Também a partir de 1988, a
Constituição Federal dispensou tratamento isonômico aos filhos. A hedionda
discriminação entre filhos, os havidos do casamento, porque de Justas núpcias e
por isso chamadas legítimos, e os filhos de for a do casamento, chamadas
ilegítimos, caiu por terra; seja de que relacionamento for, até mesmo
incestuoso, os filhos tem juridicamente igualdade de direitos. O Texto Maior
exige que a família, a sociedade e o Estado salvaguardem a criança e o
adolescente, de toda e qualquer forma de discriminação.
O magno princípio da igualdade
alberga em seu seio a construção da liberdade. Se, efetivamente, as pessoas são
livres em um mundo em que a ordem jurídica ampara suas ações e seus projetos de
vida lícitos, e se, de fato, todos são iguais perante a lei e o homem e a
mulher tem os mesmos direitos, por que, então, não haveria a chancela constitucional sobre a união de pessoas do mesmo sexo – a união homoafetiva? Quais
impedimentos constitucionais que há para o direito não reconhecer essa união de
pessoas que optam por conviver e dividir suas alegrias e tristezas com a outra
do mesmo sexo?
À luz da ética, o Direito não pode
tratar desigualmente os seres iguais; não há justificativa moralmente plausível
para discriminar o ser humano devido a sua opção sexual.
A união homoafetiva é relacionamento
humano marcada pelo vínculo do afeto, nele plenamente caracterizado o affectio maritalis, por isso nem sequer
se pode falar em respeito à diferença, pois diferente não é, uma vez que o elo
entre os pares é o mesmo que existe nas uniões heterossexuais – o amor. Afinal,
os iguais devem ter tratamento igual na medida em que se igualam. Daí, então, a
união homoafetiva ser amparada constitucionalmente.
2.4 PRINCÍPIO DA
SOLIDARIEDADE FAMILIAR
O princípio da solidariedade
introduz um sentido social e finalístico no Direito de Família. A solidariedade
pode ser realizado perfeitamente por meio da autonomia individual, complementando-a
e organizando-a, para que, na realidade, sejam cumpridas certos propósitos
sociais (TRAZEGNIES GRANDA, 1993, p. 63-64).
A solidariedade é elemento essencial
nas relações entre os membros da família e deita suas bases nos vínculos
afetivos. A Constituição Federal, em seu Preâmbulo, erige o Estado Democrático
de Direito destinado à realização da justiça em valor supremo de uma sociedade
fraternal e prega que um dos objetivos do Estado brasileiro é construir uma
sociedade solidária (art. 3º. Inciso I).
Nesse sentido, a solidariedade é
tomada como um dos pressupostos constitucionais e, como princípio, pode ser
verificada em vários momentos da Carta Constitucional: no artigo 229, imputa-se
aos pais o dever de assistir os filhos menores, enquanto os filhos maiores tem
o dever de ajudar e de amparar os pais na velhice, carência e enfermidade;
também nesse dispositivo está clausulada a obrigação alimentar entre pais e
filhos, reciprocamente; o artigo 230 comete à família, à sociedade e ao Estado
o dever de amparar as pessoas idosas.
Quando o Texto Magno trata de
solidariedade em matéria de Direito de Família, exige-a em primeiro lugar da
família, depois é que o legislador constitucional vem requisitá-la de
instituições sociais (DIAS, 2009, p. 66). Isso porque a família, por ser o
núcleo afetuoso da comunidade humana, é a primeiro instância de que se socorre
a pessoa necessitada para buscar auxílio. A solidariedade familiar exige que cada cônjuge
contribua proporcionalmente à sua capacidade econômica para o sustento do
grupo, devendo até mesmo o filho contribuir, se tiver condições econômicas.
Também, em relações jurídicas obrigacionais, a solidariedade é legalmente
solicitada se um dos membros da família contrair dívida no interesse da
família, caso em que, indistintamente, todos os que tenham capacidade de
contribuir para solver a obrigação tem o dever de prestar solidariedade.
A solidariedade é tempero entre os
deveres matrimoniais dos cônjuges, em qualquer modelo de família, seja
originada do casamento ou não. Após o rompimento da sociedade conjugal, ou
mesmo do vínculo, com o divórcio, o dever de solidariedade não sendo direito de
nenhum membro familiar deixar de colaborar injustamente.
A solidariedade é verificada entre
harmonização das exigências pessoais, na qual os interesses individuais de cada
um estão m relação de reciprocidade com os interesses dos outros familiares,
situação indispensável para que o espaço familiar seja ambiente de vida em
comum, de compreensão e de afeto, garantindo a unidade da família.
2.5 PRINCÍPIO DO
PLURALISMO DAS ENTIDADES FAMILIARES
Antes da Constituição Federal de
1988, somente a família proveniente do casamento era legítima e reconhecidas em
lei, e merecedora de proteção jurídica, pois era originada das Justas núpcias.
A partir de 1988, a Constituição
Federal reconheceu uma pluralidade de modelos de família merecedores de tutela.
Houve maior flexibilidade na definição de entidade familiar. Devido ao respeito
aos princípios da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da igualdade, o
legislador constitucional considerou família juridicamente digna de proteção a
constituída pelo casamento e outras formas de família.
O Texto magno abraçou no conceito de
família a formada com o casamento. Mas não apenas, pois considerou entidade
familiar a constituída pela união estável entre o homem e a mulher livres, sem
impedimento para casar, adicionando que a lei deve promover a facilitação da
conversão em casamento (Constituição Federal, art. 226, § 3º).
Não bastasse isso, ainda em respeito à dignidade da
pessoa humana, a Carta Constitucional reconheceu como entidade familiar a
comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (Constituição
Federal, art. 226, § 4º).
A Constituição Federal nada dispôs
sobre a possibilidade de juridicização da entidade familiar constituída pela
união homoafetiva. Entretanto, sob o amparo da não discriminação e sob a
perspectiva constitucional de inclusão, considera-se entidade familiar aquela
formada pela união de pessoas de mesmo sexo. Assim, a família homoafetiva passa
a gerar efeitos jurídicos em situações específicas.
É indubitável, portanto, que o
ordenamento jurídico-constitucional assegura proteção a diversas uniões de
pessoas, evidenciando que o dado unificador é a comunhão espiritual e material.
2.6 PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO
INTEGRAL ÀS CRIANÇAS, ADOLESCENTES E IDOSOS
Crianças e adolescentes tem na
Constituição Federal a tutela integral (art. 227). O Texto Magno baniu o
tratamento discriminatório dado aos filhos havidos extramatrimonialmente (art.
227, § 6º). Os direitos constitucionais previstos são à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além da proteção contra toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão.
Observa-se que a Constituição
Federal não economizou palavras para caracterizar situações em que a criança e
o adolescente, de algumas forma, poderiam estar vulneráveis, e contra as quais
os protegem amplamente.
Na verdade, a Constituição quer
garantir o future geracional para dar ao país o desenvolvimento humano e
socioeconômico indispensável a um projeto de vida melhor.
Quanto ao idoso, a Carta
Constitucional tutela sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade,
seu bem-estar, garantindo-lhe o direito à vida, imputando tal responsabilidade
inicialmente à família e, depois, à sociedade e ao Estado (Constituição
Federal, art. 230).
Atribui o Texto Constitucional aos filhos maiores o
dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência e enfermidade
(Constituição Federal, art. 229). Assim, a dignidade do idoso está assegurada
constitucionalmente, indo buscar reforça no princípio da solidariedade.
Os direitos do idoso, da criança e do adolescente, nos
moldes expostos, constituem direitos fundamentais.
2.7 PRINCÍPIO DA
AFETIVIDADE
O Direito pós-moderno vai buscar na solidariedade seu
conteúdo ético. A solidariedade princípio, faz-se presente no Direito de
Família. Um contorno dessa diretriz é o afeto, o amor.
O Texto Magno, ao constitucionalizar a família, tornou
pleno o conceito de que a família na nova sociedade brasileira é mantida pelo
elo da afetividade. O afeto, o amor deve estar presente no casamento, na união
estável, na família monoparental e na união homossexual – alias, tal união, como
tem por fundamento e razão o afeto, passou a ser chamada união homoafetiva.
O modelo constitucional de família é eudemonista
e igualitário, mantida pelo afeto e pela realização pessoal (DIAS, 2009, p.
69). A família eudemonista busca a felicidade individual a partir do processo
de realização pessoal de seus membros (DIAS, 2009, p. 54). A família é
identificada pela arte de vida comum, de viver com afeto, solidariedade,
igualdade, liberdade e responsabilidade recíproca (DIAS, 2009, p. 55).
3. CONCLUSÃO
É inconteste que a dignidade da
pessoa humana é a razão e o fundamento das relações jurídicas na sociedade.
Contudo, tal referencial torna-se especialmente aguçado e sintomático nas
relações de Direito de Família.
O núcleo familiar assume relevância
na sociedade porque diz respeito imediatamente a direitos fundamentais. A
família é formação social importantíssima, mas a pessoa humana – os membros
familiares – é a base de Constituição da família. O foco dos direitos
fundamentais está no indivíduo: no homem, na mulher e na prole.
Os moldes de entidades familiares
foram consagrados na Constituição Federal em respeito aos direitos
fundamentais. A condição de pessoa humana e sua dignidade impuseram ao
constituinte reconhecer juridicamente as formas de união entre os brasileiros,
independentemente do sexo. A condição pessoal de cada membro familiar, como
síntese dos direitos e deveres do homem, complete-se na assunção de um papel no
seio familiar.
Levam-se em consideração os direitos fundamentais na
família tendo como referência os direitos do homem enquanto tal, diferentemente
da perspectiva dos direitos fundamentais, cuja referência é um homem enquanto
cidadão. No Direito de Família, enfoca-se a comunidade familiar e a inserção da
pessoa nela, já nas relações jurídicas perante a sociedade em geral, mira-se o
indivíduo como o centro de poder da cidadania.
A família tem um caráter funcional preponderante: é o
meio mais salutar da sociedade para o desenvolvimento da pessoa e a busca da
felicidade. As relações de colaboração e de reciprocidade de interesses levam
ao unitarismo de responsabilidade dos membros da coletividade familiar, tendo
por esteio a solidariedade.
Enfim, o Direito de Família encontrou na Constituição
Federal o refúgio do garantismo de um promissor desenvolvimento humano para as
gerações presentes e futuras.
REFERÊNCIAS:
ALEXY, Robert.
Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios |Políticos y
Constitucionales, 2002.
_______, Três
escritos sobre los derechos fundamentales y la teoria de los princípios. Bogotá:
Universidad Externado de Colômbia, 2003.
DIAS, Maria
Berenice. Manual de direito das famílias. 5ª ed., rev., atual e ampl. São
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Graduanda do Curso de Direito.
Pós Graduado em Psicopedagogia pela Universidade Ítalo Brasileiro -
UniÍtalo; Graduado em Letras pela Universidade Federal de São Carlos - UFSCar;
Graduado em Pedagogia Administração Escolar pela Universidade Luterana do
Brasil – ULBRA e Graduando do Curso de Direito.