segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Cor

Imagine o preto. Escuro, amplo, sem começo, fim, forma ou lugar. Dá medo. O preto, eu conheço. Agora me diga como é o azul. Dizem que o mar é azul e o céu também. Já me afirmaram que o espaço é preto, mas pense bem, não há estrelas lá? Astros, planetas... Em meu espaço, não vejo nada além do preto. Todos concordam que o céu é lindo. Ainda mais quando coroado pelo crepúsculo alaranjado que, junto a nuvens brancas, é definido como azul celeste. Parece maravilhoso. Como é a cor laranja? Já ouvi definirem como cor abóbora. A forma de uma abóbora não é segredo algum, mas sua cor alaranjada é um mistério para mim. Até porque, antes de amadurecer, a abóbora é verde. Interessante, como você definiria o verde? Dizem que plantas, as matas e até algumas partes do mar são verdes. Posso, então, deduzir que o verde e o azul estão bem próximos. Na realidade, sei que ao misturar o azul com o amarelo se obtém o verde. Sabe o que é incrível? Alguém me contou que o sol é amarelo, mas ninguém pode olhar para ele sem arriscar a perder a visão... Se perdesse a visão hoje, agora, você saberia como são as cores? E se nunca tivesse enxergado nada, como seria as cores para você?
Muito prazer, assim sou eu. Meu nome é Tatu e nasci sem visão. Nunca enxerguei nada, além da escuridão. Na realidade, meu nome é Matheus, Tatu é apelido, nem sei por quê. Acho que é porque eu gostava muito de imitar um tatu – bola, quando pequeno. Só que não faço idéia de como é um tatu de verdade, nunca toquei em um. Minha mãe havia me dito que é um bicho pequeno, que anda sobre quatro patas, corre muito, cava buracos e se enrola como uma bola bem dura para que os outros animais não possam lhe fazer mal. Assim é o meu tatu. A cara que ele tem? Não sei. Minha mãe me ensinou muitas coisas, entre elas que eu sou especial. Todo mundo é, mas ela sempre me fez sentir como se eu fosse o mais especial de todos. Meu pai jogava futebol comigo, mas com bola de verdade, não com tatu-bola. O mundo é assim, redondo como uma bola gigante, azul. Olha a cor aí de novo!
Você já viu um saci? Ele nunca foi visto por ninguém, pois não existe. Mas imagine que ele existe. Como seria? Um menininho travesso, negro, com capuz e bermuda vermelha e um cachimbo na boca! Enfim, como uma pessoa comum. Mas e as outras características? Os detalhes? Como seria seu corpo? Magrinho, gordinho? E o rosto? Para saber, precisa usar a imaginação. As coisas para mim são como os sacis. Eu nunca os vi, na verdade, nem sei se muitas delas existem, então preciso imaginá-las, algumas posso tocar e sentir, é melhor para formar uma imagem. Era assim que eu “via” o rosto de minha mãe e do meu pai: com as mãos.
E o mundo? Como você o vê? Casas, ruas, prédios, poluição e carros! Quer saber como eu imagino o mundo? Pessoas, pessoas, pessoas e pessoas! Eu não necessito de olhos para enxergá-las, na verdade quem os possui, talvez, não possa vê-las como eu.
Você consegue definir a alegria? Sua forma? Um sorriso, por exemplo, daqueles que se sente mais do que vê, que contagia, envolve. Quer mais? Um olhar, não captado por olhos carnais, corruptíveis e julgadores, mas pelos olhos da alma, profundos, verdadeiros e sinceros. Se me sinto uma pessoa feliz? Claro que sim, estou vivo! Sem a visão, mas com o tato, olfato, paladar e a audição,e, tenho um coração que bate, sente, bate, sente, bate...
Muitas coisas nunca saberei como são, a não ser em minha imaginação. Ah! Mas esta eu conheço bem! Ela é supercolorida! Talvez meu azul seja diferente do seu, assim como o meu vermelho não é o real, já o meu preto, sim, é o verdadeiro. De qualquer forma, posso afirmar que minhas cores são mais bonitas que as suas! Sabe por quê? Porque são minhas, só minhas. Então, aquilo que fazemos de melhor é melhor porque somos seus autores. Logo, sua vida também poderá ser tão significante e maravilhosa quanto a minha!
Basta enchê-la de cores...

Amores Mórbidos

Júnior já não era mais o mesmo. Chegava em casa tarde, depois de mais um estafante dia no escritório. Cris lia um livro no quarto.
Ele já não a via como antes, mal se falavam. No trabalho, as colegas despertavam nele interesses nunca experimentado. E Cris lia um livro no quarto, envolvida pelo perfume de rosas que podia ser sentido por qualquer pessoa que passasse pela janela, sempre aberta.
No café, os olhos de Júnior acompanhavam o andar elegante das ninfetas que desfilavam pesados casacos de pele, vã proteção contra o rigoroso inverno daquele ano. E Cris lia um livro no quarto, envolvida pelo perfume de rosas que pairava no ar.
Júnior notou também que até a vizinhança parecia diferente, principalmente depois que se mudara, para o sobrado da rua, há duas semanas, aquela loura que viera estudar medicina numa famosa Universidade da cidade. E Cris lia um livro no quarto, ainda envolvida pelo perfume de rosas.
Enfim, após anos de convivência, Júnior admitiu que aquela decisão parecia inevitável. Ao anoitecer, ele chegou em casa, foi ao quarto e, numa mala velha, colocou a calça jeans preferida, algumas camisas e a velha jaqueta de couro. Fitando languidamente o livro aninhado no colo de Cris, saiu, deixando para trás uma história. Júnior estava virando mais uma página.
No dia seguinte, a policia entrou no quarto e encontrou Cris petrificada pela ação do tempo. Ela estava sentada na cama, com um exemplar do livro Dom Casmurro no colo; o forte odor do perfume de rosas espalhava-se por toda a casa. Ela jazia ali há dois anos.

Advogada Meliante

Após uma onda de assaltos em cachoeira dos Índios na Paraíba a polícia conseguiu desbaratar e prender a gangue de salteadores. Os marginais após roubarem casas, comércios, fazendas, guardavam o produto do roubo na casa de Mudinho, um mulato que ali aparecera sem eira nem beira e que por ser surdo mudo foi acolhido pela sociedade que sempre lhe alimentava e não raro alguém lhe dava serviços ou gorjetas. O mudinho descobrindo uma casa abandonada no subúrbio da cidade ali fez moradia. Como ninguém desconfiava dele nunca o perturbaram. Com a gangue presa o pau cantou e os três elementos na cadeia abriram o jogo. Tudo que roubavam o Mudinho escondia para eles, só depois de algum tempo é que faziam uso fruto do alheio. Pois bem. Os ladrões havia nesta onda invadido a casa de um perigoso traficante que "misteriosamente" tomando conhecimento de que o mudinho escondia o produto dos furtos. Antes da Polícia fazendo se acompanhar de sua Advogada, famosa em conhecimentos e também por conhecer o idioma dos sinais; rapidamente passaram na casa do mudo e o arrastaram para um lugar ermo. Aonde se desenvolveu o seguinte diálogo.
Com uma pistola, apontado para a cabeça do surdo mudo o homem bufou irado.
- Pergunta pra ele doutora, aonde escondeu uma sacola esverdeada que os colegas dele roubaram lá de casa.
Antes da pergunta a Advogada curiosa perguntou ao seu representado.
- Claro, claro. Mais o que era que tinha nesta sacola pra você agir assim.
O homem respondeu.
- Havia meio quilo de diamantes brutos cuja soma nem eu sei dizer o valor.
Sorrindo a advogada lançou um olhar para o Mudinho e em sinais lhe perguntou a onde estava enterrando a sacola, e que ele não mentisse.
O Mudinho respondeu por sinais.
- Não sei do que você está falando.
A advogada repassou a informação ao traficante que mais irritado insistiu engatilhando sua pistola.
- Pergunte só mais uma vez se ele não responder diga que vou arrebentar seus miolos.
A moça não se fez de rogada e insistiu na pergunta desta feita informando que o homem iria matá-lo se ele não dissesse aonde estava a sacola.
Erguendo os olhos o mudinho compreendeu que iria morrer se não devolvesse a sacola e assim explicou em língua de sinais.
- A sacola está enterrada no muro da casa debaixo da pia, dentro da tubulação.
Ansioso o traficante quis logo saber da resposta
- E agora o que ele falou?
E ela.
- Disse que você era um fresco, bunda mole e que não tinha coragem de puxar o gatilho.

Ética

O debate acerca da diversidade e suas influências no âmbito das relações sociais tem se tornado constante em uma série de estudos contemporâneos. No entanto, essa afirmativa não atesta a premissa de que este seja um debate recente. Em si, denota a perspectiva de que sua abordagem ganha destaque e visibilidade frente às constantes e significativas transformações no cenário mundial. Fala-se aqui de transformações que, dentre tantas outras, se expressam na busca pela defesa e garantia de cidadania e direitos humanos; na igualdade de possibilidades e na eliminação do autoritarismo. Sem dúvida os desafios são muitos e superá-los requer investimento de diversos segmentos, dentre eles o profissional, na reafirmação da equidade e justiça social, princípios fundamentais na (re) construção de uma nova ordem societária.

Que nunca se diga: isso é natural, para que nada passe por imutável...” 1.

Vivemos em uma sociedade marcada pela diversidade, expressa através de suas raças, etnias, culturas, modos de vida, valores, organizações, crenças, representações, enfim, de necessidades humanas historicamente constituídas.
Assim, torna-se possível demarcar a diversidade como um fenômeno concreto, objetivado e subjetivado no cotidiano das relações e da vida social, cuja (re) produção aponta para o processo de interação entre os indivíduos. É possível entende-la como o conjunto de peculiaridades e diferenças entre os indivíduos, impossíveis de serem padronizadas devido às características singulares de cada ser.
Deste modo, as diversidades sempre estiveram presentes na construção das identidades de cada sociedade, que, ao longo do tempo, apresentam rupturas e, consequentemente, dão ênfase a diferenças não aceitas pelo coletivo, as quais acabam por resultar em relações de preconceito, discriminação, desigualdade, dentre tantas outras.
Neste cenário, se rompem os preceitos da tolerância (que supõe o direito de ser diferente) e da alteridade (que implica no respeito ao outro que é um diferente), enquanto mediações necessárias. A negação desses valores - caracterizada pelo desrespeito ao outro; pela intolerância - desponta na busca pela negação das identidades.
A experiência da diversidade configura uma realidade que impõe a redefinição de conceitos tradicionais. Portanto, todo esse processo - e seus impactos, que envolvem nuances e perspectivas de interpretação da realidade - permite identificar que apesar de avanços em termos político-jurídicos, ainda há muito que fazer para sua efetivação em ações práticas. Neste sentido, a busca pela superação de práticas excludentes reafirma a legitimidade do debate sobre os direitos humanos e de cidadania, de modo a delimitar as características de cada um e o entendimento acerca de suas finalidades e potencialidades de intervenção.


A liberdade é a fonte de onde brotam todos os significados e todos os valores” 2.

A construção de instrumentos direcionados a defesa e garantia de direitos, na busca por uma sociedade que respeite as diversidades, se constitui como elemento marcante das sociedades, sobretudo democráticas, a partir do século XIX. O marco deste processo se expressa, em 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, cujos princípios vem sendo fortalecido pelos diversos movimentos e ações públicas que buscam afirmar direitos de Cidadania, integrados as legislações das sociedades contemporâneas. Assim, Cidadania e Direitos Humanos constituem conceitos de significação semelhante, capazes de configurar a interdependência de ideias e práticas. Compreende-los é fundamental, sobretudo se considerarmos que é justamente nas sociedades que são marcadas por variadas formas de intolerância, que a idéia de direitos humanos e, mesmo cidadania, permanece ambígua e deturpada. Fato que demarca este direcionamento é associação constante dos Direitos Humanos com a criminalidade, presente na manipulação da opinião pública.
Os direitos de Cidadania estão relacionados a um determinado ordenamento jurídico, sendo específicos dos membros de um Estado Nação, cuja constituição delimita direitos e deveres. O debate acerca da esfera pública, e da participação democrática, se coloca como necessário para sua legitimação e fortalecimento. A idéia de cidadania está vinculada a decisões políticas, não estando necessariamente interligada a valores universais, nem podendo ser utilizada para justificar a violações de direitos fundamentais.

Deste modo, dada sua constituição e os diversos fatores que a influenciam, os direitos humanos, em sua evolução histórica, são classificados em três gerações - com referências claras a uma quarta em processo – que se articulam aos ideais da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Conhece-las é fundamental na reafirmação dos ideais e diretrizes que comportam a trajetória em defesa da garantia de direitos.
A primeira geração de Direitos Humanos agrega os chamados direitos civis; as liberdades individuais. È composta por direitos individuais contrários à opressão do estado, as perseguições de cunho religioso ou político, bem como, a doutrina absolutista. Esses direitos - dentre eles o de propriedade; segurança; integridade física; religiosidade; entre outros – foram consagrados através de várias declarações e também nas Cartas Constitucionais de vários países.
A segunda geração de Direitos Humana está vinculada aos Direitos Sociais, demarcados pelas lutas dos trabalhadores no decorrer do século XX, qualificadores do que se denominou Estado de Bem Estar Social. Destacam-se os direitos correspondentes ao mundo do trabalho – como: salário; seguridade social; férias – ou àqueles que apresentam um caráter social mais geral – como: educação, saúde, habitação e outros.
Já a terceira geração de Direitos Humana condiz aos Direitos Coletivos da Humanidade, garantidos pela integração de diferentes segmentos das sociedades e nações. Dentre esses direitos se destacam os relacionados à autodeterminação dos povos; ao desenvolvimento; ao meio ambiente; ao patrimônio comum da humanidade; a paz; dentre tantos outros.
Por fim, com base na transformação das estruturas sociais é importante destacar referências a uma quarta geração de Direitos Humanos que surgem e se firmam a partir de novas descobertas científicas e novas abordagens sobre a realidade, tomando por base as mudanças e diversidades políticas e culturais.

A humanidade será livre quando todo homem particular possa participar conscientemente na realização da essência do gênero humano e realizar os valores genéricos em sua própria vida, em todos os seus aspectos” 3.

Apesar de constituídos, os Direitos Humanos e de Cidadania enfrentam obstáculos para sua efetivação em diversos campos. A esfera pública, locus central e imperativo para sua consolidação, demarca a disputa frente à ideologia conservadora, autoritária, segmentada, pautada na defesa da manutenção de uma ordem social perversa, composta por valores considerados únicos, pré-determinados e imutáveis. São diversas as polêmicas, muitas delas envolvendo atos violentos, justificados pela concepção de práticas culturais (genocídio; racismo; mutilação sexual).
Como reflexo, a sociedade contemporânea ainda conforma uma série de violações aos direitos fundamentais do ser humano (guerra, trabalho escravo, prostituição infantil, entre outras), dentre as quais se situam aquelas relacionadas à discriminação e violência, decorrentes da orientação sexual e de identidade de gênero dos indivíduos sociais.
1 Bertold Brecht
2 Simone de Beauvoir
3 Karl Max