Quando, em
1950, Chateaubriand introduziu a televisão no Brasil, com certeza não imaginava
as possibilidades quase bélicas de aniquilamento mental que ele trazia. Num
país como o Brasil, cuja cultura impressa tem menor penetração, a televisão
ocupa um lugar de importância descomunal. É, de fato, a mais eficiente fábrica
de opiniões e tendências. Nem Pavlov, Watson e Skinner juntos conseguiriam
tamanho poder de condicionamento, e Charcot não acharia a mínima graça na
hipnose se houvesse vivido em tempos de televisão.
A subjetividade é sempre fabricada. Desde o nascimento, cada indivíduo vai
sofrendo mil interações que acabam construindo seu modo de funcionar. Tal
dinamismo inicia-se com os pais, irmãos e familiares próximos. O núcleo
familiar é o primeiro a "ensinar". Na família, a criança aprende,
principalmente, a sobreviver. Logo depois, começa a se relacionar com a
sociedade de forma mais ampla, A escola, os amigos e o trabalho oferecem mais
substância ao repertório original. Seguindo esta linha de raciocínio, pode-se
chegar à conclusão de quão fácil é "subjetivar-se", afinal, o
processo de individualização, a partir do outro, é constante. O fato é que, nos
tempos atuais, há um "outro" chamado televisão, que ensina muito mais
rapidamente que o próprio círculo humano que envolve cada indivíduo.
O fenômeno televisivo no Brasil é tão surpreendente que, num passado bem
próximo, grande parte da população passou a pautar horários pela necessidade de
acompanhar a novela e os programas infantis; muitas empresas suspendem o
trabalho na hora da transmissão da Copa do Mundo e a padronização da fala dos
atores de televisão levou à extensão, para todo o país, do modo de falar
carioca, agora influente, inclusive, em outros países de língua portuguesa.
Isso é prova da capacidade deste instrumento para fabricar subjetividades. Nem
é preciso ser um bom observador para notar o vestiário "novelístico"
e o vocabulário "malhação". Um estudo de Marilena Chauí comenta a
escalada de Fernando Collor até a Presidência da República. Quando ainda
governador de Alagoas e um desconhecido para a maioria da população brasileira,
Collor começou a aparecer sucessivamente na televisão até a época de sua
eleição. No início, uma vez por semana, depois duas, três, quatro. A televisão,
enfim, modela mais comportamentos do que é capaz uma infinidade de caixas de
Skinner.
Contudo, não se deve cair no erro de culpar a televisão por todas as
catástrofes culturais do país. A ignorância é o fator preponderante. A educação
é a base. Os indivíduos bem educados, no sentido de conhecimento, no mínimo -
desculpem o trocadilho - veria a televisão com outros olhos. Há, de fato, uma
boa gama de programas instrutivos, porém, estes não são acessíveis à população
menos abastada e excluída, por conta do seu repertório intelectual. Um sujeito
que tenha tão - somente o ensino fundamental com certeza preferirá assistir aos
traseiros no programa do Gugu a uma entrevista no programa do Antônio Abujamra.
Assim, entra-se num círculo vicioso. A sociedade capitalista precisa do
consumo, que precisa da televisão, que precisa da ignorância para manter seu
poder de formação de subjetividades.
Deste modo, uma boa conduta dos pais, a fim de proteger seus filhos da "televisão
ruim", seria a leitura e mostrar os caminhos interessantes que mesmo a
televisão pode oferecer. Afinal, até mesmo um traseiro dominical poder ser
instrutivo se o senso crítico do indivíduo for bem desenvolvido.
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